A morte é a libertação total:
a morte é quando a gente pode, afinal,
estar deitado de sapatos.
Mario Quintana
Gerana Damulakis
Foi Augusto Meyer quem disse que “a verdadeira história de um escritor principia na hora da morte”. Desde que Mario Quintana morreu aparecem mais e mais quintanólogos que chegam, a exemplo do que fizeram Meyer e Fausto Cunha, para mostrar o valor do lirismo do anjo dos pampas.
Ele estreou em livro com 37 anos, portanto, como se diz, foi uma estréia tardia. Não faltava editor. Érico Veríssimo, então secretário da Editora Globo, cobrava o livro com insistência. Mas é apenas a publicação que pode ser chamada de tardia porque a obra já estava pronta. O próprio Mario conta que os críticos dividem seus livros em três fases: a simbolista (do primeiro livro, A Rua dos Cataventos, até Sapato Florido); a realista (até O Aprendiz de Feiticeiro); a surrealista. No entanto, não houve essa evolução. Em todos os livros há poemas da época em que A Rua dos Cataventos foi publicado.
A poesia de Quintana traz sempre suas características principais: o humanismo do seu conteúdo e a simplicidade (enganosa simplicidade) de sua forma. É preciso não ser apressado para não concluir erradamente rotulando Quintana de “poeta fácil”; na verdade, essa facilidade imediata é uma ilusão, uma aparência, porque não há soluções fáceis, ele sabe ser simples recorrendo, muitas vezes, à linguagem popular através de um trabalho artesanal com as sutilezas e recursos poéticos. Mario dizia que jamais esperava que o santo da inspiração baixasse, antes puxava-o pelo pé, e isso dá trabalho: trabalho poético.
Introduzido na vida literária por Cecília Meireles quando, em 1927, enviou poemas que a poeta publicou no suplemento literário do Diário de Notícias, Mario Quintana teve aceitação imediata. Em 1966, Manuel Bandeira, em sessão da Academia Brasileira de Letras, fez uma saudação a Quintana, com um poema que se incorporou definitivamente à biografia do poeta do Rio Grande do Sul. As duas primeiras estrofes já evidenciam a admiração de Bandeira:
Meu Quintana, os teus cantares
não são, Quintana, cantares:
são, Quintana, quintanares.
Quinta-essência de cantares...
insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!
O título de Príncipe dos Poetas Brasileiros, em 1989, foi pouco para Quintana. Poeta presente na maioria das antologias nacionais e estrangeiras, também gravou vários discos de poemas, arrebatou muitos prêmios literários, foi muito louvado. Carlos Drumond de Andrade dizia que a lírica de Quintana “é uma tradução para o simples, de muitos mistérios”.
Mario Quintana - o Mario é assim mesmo: sem acento - nasceu em Alegrete, Rio Grande do Sul, em 30 de julho de 1906. Mario morreu em Porto Alegre, aos 87 anos. Ele disse: “Não gosto que me adjetivem, eu sou um substantivo”. Portanto, vamos ler Mario, o Mario Quintana.
A escolha vai para o soneto "Da vez primeira em que me assassinaram", cuja estrofe inicial traz os versos antológicos: "Da vez primeira em que me assassinaram/ Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.../ Depois, de cada vez que me mataram/ Foram levando qualquer coisa minha..."
É o entendimento do que é comum a todos que está presente no conteúdo lírico verdadeiro, daí a perenidade do poeta, deste poeta imortalizado pelos leitores.
2 comentários:
E é essa simplicidade de Mario que o torna sublime, como diria Machado de Assis. Adorei o teu post, Gerana. Se tivesse lido esse texto antes, o teria citado naquele meu artigo, publicado na Verbo21. Adoro Quintana. Bjs
Gerana, sua escolha foi perfeita.
Esse poema, onde Quintana mistura a morte com a imagem "estar deitado de sapatos" diz muito da poética deste que por três vezes foi preterido na ABL.
Tem momentos em que eu invejo bastante a coragem de quem viveu sempre em quartos de hotéis.
JR.
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