sábado, 5 de dezembro de 2009

O LEITOR


TRECHO
Para um leitor, esta pode ser a razão essencial, talvez a única justificativa para a literatura: que a loucura do mundo não nos tome por completo, mesmo que invada nosso porão (a imagem é de Machado de Assis) e depois, lentamente, vá tomando nossa copa, nossa sala e a casa inteira. Joseph Brodsky, prisioneiro na Sibéria, encontrou essa justificativa nos versos de W. H. Auden. Reinaldo Arenas, confinado nos cárceres de Castro, encontrou-a na Eneida; Oscar Wilde, preso em Reading, nas palavras de Cristo; Haroldo Conti, torturado pelos militares argentinos, nos romances de Dickens. Quando o mundo se torna incompreensível, quando atos de terror e respostas aterrorizantes para tal terror enchem nossos dias e nossas noites, quando nos sentimos desorientados e desconcertados, procuramos um lugar no qual a compreensão (ou a fé na compreensão) tenha sido expressa em palavras.
Alberto Manguel
in À mesa com o Chapeleiro Maluco - Ensaios sobre corvos e escrivaninhas (Companhia das Letras, 2009)
-Manguel’s personal library pictured above from the NYT h/t Alan Jacobs