
Gerana Damulakis
O poeta Manuel Anastácio dialoga com o texto de Fernando Pessoa da minha postagem anterior. A poesia permite e, inclusive, ganha com os diálogos entre os poetas em torno das grandes questões. Sabedor e mestre dos versos, Manuel confere ao seu texto poético um lirismo a mais na surpresa do verso final, sempre encantando.
PROPRIEDADE
---------------Manuel Anastácio
Não possuo o teu corpo.
Mesmo quando o possuo,
Só quando por ele sou possuído
É que dou como indeferido o resultado da reflexão.
Não possuo o teu corpo
Nem a minha alma tem garras com que o agarre.
Não possuo o que como, que em mim se esvai,
Não possuo a minha alma, que em meu corpo se distrai.
Não possuo. Nem o que sei, em verdade, é meu
Se em verdade algo me não é dado que já não seja meu
Porque não sei se é, apenas teu, e a mim, vagamente,
Emprestado.
Nada em mim vejo aclarado e transparente.
Vagamente, nada em mim está, assim, em mim presente,
Nem sólido monumento, nem pensamento, nem palavra
nem fonema,
Nem dúvida nem certeza. Nem prosa nem poema.
Sonho? Provavelmente, não. Até porque a Ilusão
É arte que se vende cara.
Eu não sou eu.
E só não nego a tua presença,
Que não possuo,
Porque me entreguei em verdade e disse:
Sou teu.
Ilustração: Estudo cênico de Alamada Negreiros.