segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O MELHOR CONTO DO SÉCULO XX: "OS MORTOS", DE JOYCE

Gerana Damulakis

Os norte-americanos adoram listas. Elaboram listas sobre tudo. Em lista que enumerava os melhores contos do século XX, o conto escolhido como o melhor foi “Os mortos”, de James Joyce.
O conto “The Dead” (“Os Mortos”) é o último do volume Dublinenses e difere dos demais contos, tanto pela maior extensão, quanto pela intensidade poética e pelo simbolismo que encerra. O melhor conto do livro, é também o conto que ilumina as narrativas que o antecedem.
Seu enredo é simples: depois de uma festa de Natal na casa das tias, o protagonista, Gabriel Conroy, retorna ao hotel, acompanhado de sua mulher Gretta. Ele está ansioso para saber a razão pela qual ela esteve tão afastada. Gretta confessa que uma das músicas trouxe-lhe à lembrança um jovem de Galway (terra de Nora Barnacle, esposa de Joyce) que “morrera por ela”. O jovem sofria de tuberculose e enfrentou a neve para vê-la. Gabriel a consola, apesar de sentir-se em segundo plano, ao constatar o choro de Gretta pelo morto. Os mortos, ainda que mortos, continuam conosco.
O simbolismo é patente quando se trata da neve. A neve, tida como algo do qual urge se proteger, depois será atrativa, quando olhada pela janela por Gabriel, passando, então, a ser reconfortante. Vale reproduzir o belo final de “Os mortos”, na tradução de Hamilton Trevisan para a Civilização Brasileira: “A neve cobria toda a Irlanda. Caía em todas as partes da sombria planície central, nas montanhas sem árvores, tombando mansa sobre o Bog of Allen e, mais para o oeste, nas ondas escuras do cemitério abandonado”.
Os contos de Joyce suscitam a busca por suas epifanias. Há, inclusive, uma explicação do que são as epifanias, no capítulo XXV de Stephen hero, versão primitiva do Um retrato do artista quando jovem: “Por epifania ele [Stephen Dedalus] entendia uma súbita manifestação espiritual, que pode decorrer de uma conversa corriqueira, de um gesto ou de uma passagem memorável do pensamento. Ele achava que os escritores deviam registrar com todo o cuidado essas epifanias, percebendo-as como momentos mais delicados e evanescentes”.
A epifania em “Os mortos” é experimentada por Gretta, quando ela escuta a música que traz seu passado. O literal e o metafórico, no caso da neve, juntam-se à riqueza lingüística e humana da obra ficcional. “Os mortos” é o melhor conto do século XX?

Ilustração: James Joyce, em osmium, retirada do Flickr.

ADEUS, COLUMBUS

Gerana Damulakis



Para quem gosta da leitura dos livros de Philip Roth, o fato de haver muitos títulos traduzidos é uma sorte. Sim, porque o autor vicia. Mesmo seu livro de estréia Adeus, Columbus, é um show do autor já pronto. A coletânea de narrativas curtas foi responsável pelo surgimento do escritor norte-americano no cenário literário. Em nenhum momento é o livro de um estreante, no sentido mais costumeiro, ou, talvez, no sentido previamente considerado pela maioria. Sim, porque o autor, em total domínio de seu estilo, já traz suas marcas, tanto nos recursos utilizados para a sedução, quanto nos temas que serão explorados vida literária afora. A novela-título persiste como um de seus textos mais memoráveis. Há dois dos contos antológicos: ”A conversão dos judeus” e “Eli, o fanático”. Presentes o humor algo mordaz, com o qual mira a sociedade da época, e a visão realista, com a qual tece seus personagens tão palpáveis. Enfim, a leitura prazerosa e admirativa não é por isto ou por aquilo, mas produto do todo construído por Philip Roth.
Assumo ser viciada na literatura de Philip Roth e assumo ter feito o caminho ao contrário, pois só li Adeus, Columbus este ano. Após o título mais recente, Indignação, a vontade de continuar com o autor me levou a procurar o que todavia não conhecia de uma obra que já é tão íntima.