sábado, 18 de setembro de 2010

"LUXE, CALME ET VOLUPTÉ"


Gerana Damulakis

Uma leitura puxa outra. Durante a leitura do conto “O roteirista”, de Charles D’Ambrosio, no livro O museu do peixe morto (Grua, 2010), encontrei o narrador descrevendo um certo ambiente e, numa altura, ele soltou um verso: “Luxe, calme et volupté”. Como o verso está em itálico e há uma nota no final, fui (com minha excessiva curiosidade) verificar qual era o poeta.

Resultado: a citação é o verso do famoso poema “L’Invitation au voyage”, de Charles Baudelaire. Retirei da estante o meu exemplar de As Flores do Mal (Nova Fronteira, 1985), edição bilíngue, com tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira e li o poema. Outro resultado: a postagem de agora.


O CONVITE À VIAGEM
Charles Baudelaire

Minha doce irmã,
Pensa na manhã
Em que iremos, numa viagem,
Amar a valer,
Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
Os sóis orvalhados
Desses céus nublados
Para mim guardam o encanto
Misterioso e cruel
Desse olhar infiel
Brilhando através do pranto.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

Os móveis polidos,
Pelos tempos idos,
Decorariam o ambiente;
As mais raras flores
Misturando odores
A um âmbar fluido e envolvente,
Tetos inauditos,
Cristais infinitos,
Toda uma pompa oriental,
Tudo aí à alma
Falaria em calma
Seu doce idioma natal.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

Vê sobre os canais
Dormir junto aos cais
Barcos de humor vagabundo;
É para atender
Teu menor prazer
Que eles vêm do fim do mundo.
— Os sangüíneos poentes
Banham as vertentes,
Os canais, toda a cidade,
E em seu ouro os tece;
O mundo adormece
Na tépida luz que o invade.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.


Ilustração: Girl with Sailboat, de Edmund Charles Tarbell (1862-1938).