domingo, 14 de outubro de 2007

NEVE E ISTAMBUL



O belíssimo romance Neve (Companhia das Letras, 2006), do turco Orhan Pamuk, Prêmio Nobel de Literatura 2006, ficou em primeiro lugar nas listas dos mais vendidos por pelo menos um par de meses. O fenômeno tem explicação na temática: tudo que se escreve sobre o islamismo, vende. A capa de Neve já traz o apelo: meio rosto de uma mulher com a cabeça coberta. Mas, esquecendo toda a publicidade em torno dos livros de Pamuk, o fato é que, antes mesmo do Nobel, o autor já estava com sua obra traduzida para 40 idiomas e já era muito aplaudido.
Neve tem no cerne da trama uma complexidade que, se olhando além da história das moças que cometeram suicídio por conta do tira e bota do véu, se vão percebendo as facetas — racial, política e étnica — presentes na Turquia. A mesma Turquia de ontem, do início do século XX, que não admite ter promovido o massacre de armênios. O olhar denunciador de Pamuk custou-lhe o exílio. No entanto, o belo em Neve está na volta de uma paixão adormecida e no tormento do poeta atrás de seus versos fugidios.
Quando mais não fosse pelo poder de uma narrativa sobre o conflito dentro de uma nação, sobre uma história de amor e sobre a procura pela arte, seria pela linguagem envolvente que a composição de Neve chamaria por tantos leitores. E é a mesma linguagem o ponto alto de Istambul — Memória e Cidade (Companhia das Letras, 2007), um livro que consegue transportar o leitor para outra cultura sem estranhamento, como se dela fizesse parte e pudesse entendê-la, tal o alcance da intimidade atingida.
De Neve para Istambul, há uma parada obrigatória para quem usufruiu com gosto a literatura de Pamuk: trata-se de Meu Nome é Vermelho, que saiu pela Companhia das Letras em 2004 e já recebeu reimpressão, desta feita trazendo o selo indicando que o autor é laureado com o Prêmio Nobel. A vendagem, embora na esteira do sucesso de Neve, não deve ter chegado perto do livro com a capa da presumível muçulmana. Além destes, Pamuk tem traduzido aqui no Brasil o volume esgotado, intitulado O Castelo Branco, que foi editado pela Record. Outros virão.

Gerana Damulakis

POEMA DO MÊS

PORTO

Destino de ser porto silencioso
vigiando tua quilha.

Tu, sempre barco
em destino distância,
nos rastos da espera
arrastando os meus olhos.

Eu, para sempre cais
em silêncio de porto
guardando pra teu barco.

Gláucia Lemos