quarta-feira, 28 de maio de 2008

UM MOMENTO


Gerana Damulakis



Terrível recordação que
machuca e marca,
ao lembrar que
você já esqueceu
aquele dia,
aquela noite,
que não sou eu
parte de você,
nem re/parte
daquela lembrança
inútil e perdida
numa rolança de
nós dois,
encaixe perfeito que
não pode acontecer.

Terrível ser uma
pedra jogada ao rio,
ver dissipado
aquele momento
pelo tempo
dos dias
- quem sabe, algum dia.




De Guardador de mitos (Edição do autor, 1993). Foto de Marina Palmeira, retirada do Flickr.

ap[EGO]


Goulart Gomes




se eu lhe toco
é o apego do meu ego
que lhe afaga

se eu lhe foco
é o gozo do meu ego
que me afoga

se eu compro
o meu ego aplaca a fome
e me consome

quando luto, ele ganha
me derrota e me arrasta
em sua sanha

se me foge uma amiga
o ego e seu ciúme
fazem todas, inimigas

se me quedo no aconchego
e me cego para o mundo
ego-abismo, em que me afundo

e o ego tudo engole
em sua sede de tornado
e me queda, en-si-mesmado



Salvador, 28/05/2008

Goulart Gomes é autor de Minimal entre tantos títulos. A foto é de denis collette, retirada do Flickr.

O TANTO QUE NÃO FOSTE


Gláucia Lemos




E agora que te trago como rastro amargo

nessa viagem sem verões nem pássaros,

sinto que como chuva,

eras.

Eu te viajava como espaço,

como terra,

como garças em bando,

como plenilúnio e maré cheia

e lago a transbordar.



Eras vida, sendo lua e eclipse.

Eu te conhecia

como marfim aos dedos no piano,

como algas à areia,

como penumbra à véspera da luz.



E agora, que te trago mero rastro,

vou.

Viagem sem verões,

sem marés

e sem pássaros.





Gláucia Lemos é ficionista premiada e tem mais de 20 títulos publicados. Mas, além disto, ou, talvez, exatamente por isto, é também poeta.Foto Graças cinzentas por jvverde, retirada do Flickr.