domingo, 18 de novembro de 2007

O ROMANCE MORREU

O romance morreu (Companhia das Letras, 2007) são crônicas de Rubem Fonseca, mas para quem não perde seus contos e romances, também este apanhado de textos é imperdível. E, imediatamente, se percebe que é válido ler um Rubem Fonseca solto, escrevendo sobre uma gama variada de assuntos. Logo no primeiro texto, que dá título ao livro, Fonseca conclui que talvez os leitores possam acabar, porém os escritores não, pois estes sofrem da síndrome de Camões, que salvou os manuscritos dos Lusíadas do naufrágio pelo qual passou, deixou a mulher amada morrer afogada e isto para que pouca gente lesse, haja vista ser o século XVI e em Portugal pouca gente sabia ler. Em “Loja de botox a varejo”, ele escreve: “Não quero me jactar dizendo que previ o que aconteceria em pouco tempo, essa avalanche de cirurgias cosméticas. Não me esqueço das agruras que passei com Feliz Ano Novo, prevendo a onda de crimes e invasões a residências que aconteceria alguns anos depois, o que me acarretou um processo criminal por apologia do crime”. Afora as veleidades de profeta (infelizmente ele estava certo quanto ao real barbarismo retratado no livro de contos de 1975), há o emocionante relato testemunhal sobre a Copa de 50 para os aficionados por futebol, em “Copa do mundo: alegria e sofrimento”.
E como há de tudo, pode-se passar de uma leitura leve sobre a dupla pipoca e cinema, até uma descrição de viagem como “Visitando Israel”. Entretanto, e como sempre, há um ponto alto, e este fica por conta de “José — uma história em cinco capítulos”, o texto mais longo do volume. Trata-se de uma pequena autobiografia. Pequena porque sequer chega a alcançar a plena adolescência do escritor. Ele optou por não usar a primeira pessoa, referindo-se ao personagem como José; olhando para si mesmo outrora e de fora, portanto. Aí encontramos um menino obcecado pela leitura de Michel Zévaco, Ponson du Terrail, Alexandre Dumas, enviados por uma tia, que era atriz de teatro no Rio, para Juiz de Fora, terra natal de Rubem Fonseca — em tempo: é o próprio quem diz neste livro que adora quando se referem a ele como escritor mineiro, apesar de ter vivido no Rio desde os oito anos de idade. Seguimos adiante com José encantado com o Rio de Janeiro, ainda que a mudança de Minas para a capital do país tenha sido causada por problema financeiro que fez a família passar de abastada para pobre. Mas um novo mundo abriu-se para o menino e seu poder de observação. A exuberância do Rio, seja dos lugares (Teatro Municipal, Biblioteca Nacional, zona boêmia da cidade), seja dos mais diversos tipos de gente, iam formando o imaginário do futuro escritor.
“Reminiscências de Berlim” é outro exemplo de peso dentro da coletânea. Rubem Fonseca estava lá em Berlim na noite de quinta-feira do 9 de novembro de 1989, quando de seu quarto ouviu gritos e buzinas na rua: era a derrubada do muro de Berlim. Relato incrível: ele encontra amigos que viviam no lado oriental, festeja com eles, passa por oriental que acabou de entrar na parte ocidental da cidade, ganhando flores e tapinhas nas costas...Uma delícia!
Enfim, os trinta temas refletem também os gostos e preocupações do autor e, nota-se o uso que faz deles na sua ficção: charutos ganham linhas, a paixão pelo futebol, como já foi citado, o próprio crime e, sempre, o fascínio pelas palavras que, agora sabemos, surgiu desde que ele aprendeu a ler sozinho e não parou mais. Aliás, diz Fonseca, a mania pela leitura só vem piorando. Acontece com todos nós.

Gerana Damulakis