quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O AUTOR DA OBRA-PRIMA O TAMBOR

Gerana Damulakis

Em 16 de outubro de 1927 nasceu Günter Grass, Prêmio Nobel de Literatura de 1999.
Tenho vários títulos de Günter Grass: A ratazana, Anos de cão, Meu século, Nas peles da cebola, Um campo vasto, Passo de caranguejo. Mas é O tambor que faz parte da minha lista de romances inesquecíveis: uma obra-prima. O romance dá a real dimensão do quão alienada a humanidade pode ser em certos momentos e circunstâncias.

PELOS UMBRAIS DA CATEDRAL

Gláucia Lemos


Esta crônica dedico aos profissionais do jornalismo,
em cujas redações vivi um tempo de muita alegria.




A página branca na minha frente. Branca e em branco. Ainda não sei como vou usar este espaço generoso que se me oferece. Mas vou fazê-lo, sim.
Ando com saudade de escrever minha crônica, o que uma fase mais tumultuada me tem impedido. A gente se acostuma com todo fazer prazeroso.
Quando assinava coluna em jornal, a abertura da coluna era o melhor momento do trabalho, por ser a hora de redigir a crônica. Em seguida vinham os drops noticiosos que não requeriam mais do que dar forma agradável às notícias da hora na minha área. Era um trabalho que eu gostava de fazer, era a minha comunicação com o mundo, a que ia ao público com o imediatismo que não se encontra em nenhuma outra comunicação feita pela linguagem escrita. Em compensação ela é também a única que vive tão pouco, a menos duradoura, e nisso perde longe para os livros. Consumida, consome-se também sua razão de ser, e é esquecida.
Nunca tive mais profunda compreensão da tamanha brevidade, do que diante de uma desagradável coincidência que me ocorreu, desagradável na época do fato.
Uma manhã eu saía de uma farmácia na avenida Joana Angélica, tinha chovido à noite, por isso a rua estava molhada e havia muitas poças, principalmente nas calçadas que sempre foram mal conservadas. Cuidadosa para não enfiar os pés em uma delas, caminhava olhando para o chão, quando recebi a surpresa. Em um farrapo de jornal, molhado, amarrotado e sujo identifiquei sem dificuldade um pedaço da minha coluna publicada na véspera. Justamente em uma parte do meu texto, a folha fora rasgada. Minha crônica ali, emporcalhada e pisada por quantos transitavam na avenida, foi como se alguém me aplicasse um tapa. Precisei conversar comigo mesma, demoradamente, respirar fundo, para deixar de me sentir insultada, e poder entender que aquele é o destino dos jornais. As pessoas lêem e jogam fora, tudo o que há nele é descartável, não é desimportante, mas são muito breves os seus cinco minutos de estrelato. Na minha infância, com jornais se embrulhava sabão nos balcões dos armazéns de secos e molhados, antecessores dos supermercados. Os textos assinados por mulheres menos vaidosas que eu e por todos os demais jornalistas estavam destinados àquela sorte. Por que eu estaria tão ofendida? Tive que me curvar àquela realidade e aceitar que a vida dos textos jornalísticos é breve, por sua própria natureza, ou finalidade.
No dia seguinte, lá eu estava escrevendo minha crônica, que saía 4 vezes por semana, e burilando a redação dos drops para melhorar a secura das notícias, com cuidado para não emprestar literatura à objetividade do jornal. Aí, já bem consciente de que viveriam o tempo de um hibisco, não mais, e renasceriam no dia seguinte, sob outras formas e outras palavras, obedecendo ao ciclo vicioso das colunas de jornal, porque todos temos os nossos destinos e também temos que considerar os destinos das coisas e das palavras.
Com o tempo aconteceu a regulamentação da profissão de jornalista, e eu, que não me sindicalizara, e fazia jornalismo pegando carona no meu gosto pela escrita, fiquei na contramão, não posso mais assinar coluna se não versar sobre uma das minhas formações.
Mas, quem disse que o vírus da crônica foi curado? Não tem cura. Cá estou, pelos umbrais da catedral dos blogs, cronicando com capricho que tanto bem me faz, e, afinal, eu não sei mesmo fazer outra coisa que não seja arrumar palavras.
Agora a página branca ainda é branca, mas não está mais em branco. A não ser que esta reflexão egocêntrica sobre o meu próprio fazer, e os laços que nos atam àquilo que criamos, não equivalha mais que a uma página branca em branco. Ademais, eu mesma concordo que os egocêntricos são tão chatos!

Gláucia Lemos lançará o romance premiado Bichos de Conchas, dia 21/10, terça-feira, às 17:30 na Livraria Saraiva, espaço Castro Alves, do Salvador Shopping. Foto de Vi, retirada do Flickr.