sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

SALVADOR: PLENA DE VERÃO


Gerana Damulakis

Desde que li As Pequenas Memórias (Companhia das Letras, 2006), de José Saramago, que olho a beleza de outra maneira. Isso porque gravei de forma irremediável as palavras da avó do grande escritor português. Ela admirou a beleza da noite e disse uma frase que simplesmente ficou cravada: “O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer”.


Passo olhando o mar, o azul pleno de verão, essa minha cidade exuberante de cores, e penso que realmente é uma pena ter que ir embora. Que pelo menos seja com a idade e a lucidez (sem lucidez, não adianta) da avó de Saramago. É pedir muito, mas assim somos todos nós: cheios de esperanças. Sei que é um tanto mórbido admirar a beleza da vida e pensar imediatamente no fim. Sempre fui desse jeito, só que a bela e verdadeira frase não foi dita por mim. Não tem importância, admiro quem soube dizê-la.

Tu estavas, avó, sentada na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabias e por onde nunca viajarias, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e disseste, com a serenidade dos teus noventa anos e o fogo de uma adolescência nunca perdida: "O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer." Assim mesmo. Eu estava lá.
José Saramago


Imagem de Salvador:
http://img253.imageshack.us/i/salvadordu7.jpg/