quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

VOCÊ É O QUE VOCÊ ESCREVE

Exemplo:
Mostre-me um herói e eu escreverei uma tragédia
F. Scott Fitzgerald

POETA, LORDE E LIBERTINO



Gerana Damulakis

A história da literatura inglesa registra as mortes prematuras dos poetas românticos John Keats (1795-1821), Percy Bysshe Shelley (1792-1821) e George Gordon, o Lorde Byron (1788-1824). Byron dominou abertamente o segundo grupo dos românticos: nenhum poeta foi a personificação tão perfeita das características simbólicas de seu tempo, desde a amplificação dos sentimentos, a auto-projeção, até o gosto pelo escândalo e pela boêmia: ele próprio foi a obra de sua vida.

George Gordon herdou o título de Lorde Byron, aos 10 anos, de seu tio-avô. Seguindo o costume aristocrático, após obter os títulos universitários, Byron partiu em viagem. Resultado desta viagem foi Childe Harold’s Pilgrimage, que tornou o poeta célebre da noite para o dia. Grandiosas imagens das belas paisagens mediterrâneas são descritas no poema onde, adicionando uma acre meditação sobre as alegrias vãs da vida, Byron só vislumbrou sofrimento em torno de si: o herói de passado obscuro em sua luta contra a apreensão sinistra derivada de um crime misterioso que arruína a mulher amada. Na verdade, todos os heróis de Byron sentem o mesmo: The Giaour (1813, “O infiel”), The Corsair (1814, “O corsário”), Lara (1814).

Após o casamento desastroso com Annabella Milbanke, que durou um ano e deu-lhe uma filha, Byron partiu da Inglaterra em 1816, para sempre. Em Genebra, conheceu Shelley, que também havia deixado a mulher e a pátria. O poeta Shelley e sua amante Mary Godwin (autora de Frankenstein) viviam com a meia-irmã desta, Clare Clairmont. Byron e Clare tornaram-se amantes e tiveram uma filha. Na Suíça, os Alpes inspiraram o terceiro canto de Childe Harold’s, verdadeiro hino panteísta.

Com a publicação do delicioso Beppo, A Venetian Story, em 1817 (Beppo está traduzido por Paulo Henriques Britto, para a Nova Fronteira, acompanhado de uma das brilhantes cartas de Byron), o Lorde solidificou sua fama. Foi o tempo mais pleno de aventuras, as mulheres enlouqueciam diante do jovem nobre em vida de lascívia e sensualidade, que viajava mundo afora fugindo de um amor impossível, condição de seu sofrimento.

Belo, um homem cercado de mulheres e, no entanto, sempre carente. E mais: escrevendo sobre a paixão, ele apaixonava; chegou a contar 200 mulheres em um ano. Até que conheceu Teresa Guiccioli, uma jovem de 19 anos, casada com um homem idoso e rico. Byron tornou-se amante oficial de Teresa e, com a família da moça, entrou para a sociedade secreta dos Carbonários.

A convite do Comitê Grego de Londres, o poeta partiu para a Grécia, querendo comandar uma força militar na luta pela libertação deste país. Ficou na ilha de Cefalônia, protetorado britânico, até que com seu próprio dinheiro, emprestado à resistência, a frota grega conseguiu mobilizar-se para juntar-se ao príncipe Aléxandros Macrokordátos.

No início de 1824, 22 de janeiro, Byron completou 36 anos e escreveu seu último poema. Pleno de poderes, envergando um uniforme vermelho, ele e a brigada pretendiam atacar Lepanto, mas uma forte tempestade apanhou Byron que, encharcado, voltou para a cidade. Teve febre e delírios; foi feito um tratamento à base de sangrias, que enfraqueceu ainda mais o poeta. Byron morreu no dia 19 de abril de 1824 e foi reconhecido pelos gregos como herói nacional. Seus pulmões ficaram na Grécia, em canopo, ou seja, um vaso próprio para guardar as entranhas das múmias, na igreja de San Spiridiano, em Mesolóngian. O corpo seguiu para a Inglaterra, sendo rejeitado pela Abadia de Westminster, local dos grandes poetas mortos. Byron foi sepultado com seus ancestrais.

O mito, o libertador de uma terra oprimida, personificando um verdadeiro general dos gregos na sua guerra de independência contra os turcos, conferiu a Byron uma completude: glória no suscitar das paixões, glória militar, glória na morte. A 64Km de Atenas, em Sounion, há uma colina com um templo de Poseidon: tem 15 colunas brancas dispostas regularmente; aí, na base de uma destas colunas, Byron deixou seu nome gravado.

Mas o significativo mesmo é que sua obra finalize com o poema intitulado Don Juan. Iniciado em 1819, Byron morreu no começo do canto 17. O destino de Don Juan nunca saberemos; contudo, Byron conquistou o mundo. Na Inglaterra, Shelley, Keats, o então adolescente Tennyson e Browning eram seus admiradores. Na França o byronismo deixou marcas em Lamartine, Hugo, Vigny, Musset. Na Espanha, Espronceda foi o Byron ibérico enquanto em Portugal Almeida Garret encarnou o Byron erótico e, na Alemanha, Geothe considerou o Lorde “o maior engenho poético do século”. Puchkin achou no Don Juan o exemplo para seu Eugenio Onegin. No Brasil, entre tantos, Álvares de Azevedo foi cognominado “o Byron brasileiro”.

Morreu como herói quem o herói cantou. No enterro, em seu país natal, as carruagens nobres fizeram um desfile, só que estavam vazias; a aristocracia demonstrou respeito pelo nobre, mas não se atreveu, com a presença física, aliar a convenção à aprovação das idéias políticas ou do estilo de vida do lorde libertino, tampouco ousou reconhecer um poeta que entoava loas ao mal. Neste caso, não há como separar o homem do poeta; nas palavras de Auden: “O autêntico poeta em Byron é Byron”.

Trecho de "Poeta, Lorde e Libertino (sobre Lorde Byron, o poeta aventureiro)", in O rio e a ponte - À margem de leituras escolhidas. GD