domingo, 1 de março de 2009

CASTELÃO DE MITOS

Gerana Damulakis

"Estou na berlinda/ porque tenho no meu peito,/ além dos espinhos desses cardos,/ uma saudade infinda."
Sosígenes Costa



O tratamento sobre a obra de Sosígenes Costa começa pelo caminho da admiração. É, antes de mais nada, um tratamento admirativo e isto torna difícil a escolha da direção na qual podemos lançar um olhar para avaliar sua poesia. Autor que viu apenas um livro publicado em vida, Obra Poética, Rio de Janeiro, Editora Leitura, 1959, o baiano de Belmonte, nascido em 1901, viveu 68 anos e teve dois livros póstumos, ambos publicados pela Editora Cultrix, de São Paulo, graças ao empenho do ensaísta e também poeta José Paulo Paes: a Obra Poética II e Iararana.
Se Sosígenes é mais citado pelos seus "sonetos pavônicos" de versos que se guardam na memória, seria errôneo deter a mirada nestes poemas de descrição simbolista, únicos em verdadeira originalidade, refinamento e mesmo na estranheza que suscitam quando o poeta deixa que a impregnação do luxo barroco estabeleça uma combinação que denuncia sua singularidade. Bronzes, lilases e lírios, mirra e canela, compõem sonetos simbolistas, mas ímpares no uso destes símbolos. Há sempre um quê de irônico, uma esgarçar do canto da boca, como se ao lidar com flores e aromas, o poeta evocasse um mundo que viesse diferir a sua poética a ponto de tornar impossível seu enquadramento em uma escola.
A natureza, fornecedora de ritmos naturais, atrai o poeta Sosígenes Costa assim como os mitos, porque ela mesma criou vínculos com os arquétipos. Os ritmos poéticos, para N. Frye, são ligados ao ciclo natural por estarem sincronizados com os ritmos da natureza, por exemplo, com o ano solar. O pôr-do-sol, tão caro ao nosso poeta — um exemplo mais imediato é o soneto "Tornou-me o pôr-do-sol um nobre entre os rapazes" — é um arquétipo da sátira o que, de resto, coincide muito bem com o tom com o qual Sosígenes impregna muitas de suas peças poéticas. Tal soneto, donde foi retirado o título deste texto, é uma confissão do desejo de criar um sinônimo para a poesia, ironizando os mitos:

Queima sândalo e incenso o poente amarelo
perfumando a vereda, encantando o caminho.
Anda a tristeza ao longe a tocar violoncelo.
A saudade no ocaso é uma rosa de espinho.

Tudo é doce e esplendente e mais triste e mais belo
e tem ares de sonho e cercou-se de arminho.
Encanto! E eis que já sou o dono de um castelo
de coral com portões de pedra cor de vinho.

Entre os tanques dos reis, o meu tanque é profundo.
Entre os ases da flora, os meus lírios lilases.
Meus pavões cor-de-rosa os únicos do mundo.

E assim sou castelão e a vida fez-se oásis
pelo simples poder, ó pôr-do-sol fecundo,
pelo simples poder das sugestões que trazes.