quarta-feira, 19 de setembro de 2007

NA PRAIA, um romance de Ian McEwan

A literatura inglesa contemporânea passa por um excelente momento e, com algum atraso, podemos acompanhá-la em ótimas traduções. Por exemplo: um dos mais importantes prêmios literários do mundo é o Booker Prize. Pois bem, estão nas livrarias os concorrentes e os vencedores deste prêmio nos últimos anos. No mais alto patamar de qualidade encontramos Arthur & George, de Julian Barnes, Não me Abandone Jamais, de Kazuo Ishiguro, e o vencedor O Mar, de John Banville. Um deleite para quem sente verdadeiro prazer na leitura e gosta de comparar e eleger. Os três livros são excelentes, mas O Mar tem uma força quase trágica que, seguramente, garantiu o prêmio. Por outro lado, o final do livro de Ishiguro é impactante. E assim vamos, como aficionados pela arte literária, lendo e debatendo os valores, encantando a alma.
Nesta última leva de lançamentos há outro escritor, igualmente premiado com o Booker, e muito festejado mundo afora. Trata-se de Ian McEwan. O romance, que na nossa concepção mais rígida em termos de gênero, seria considerado uma novela, ou, como dizia Jorge Amado, um “romancinho”, intitula-se Na Praia e está na lista dos mais vendidos de todas as revistas que fazem este tipo de pesquisa. Todavia não se define como um best- seller. Está na lista, tal como está Travessuras da Menina Má, de Mario Vargas Llosa, ou seja, ambos são exceções porque nada têm da famosa mistura de crime, sexo e um monte de informações que se querem eruditas para impressionar.
Na Praia é uma trama passada nos anos 60, quando a revolução sexual estava perto de irromper, mas ainda guardava seu poder de explosão. A noite é a das núpcias de um casal virgem. O desastre emocional, que resulta na definição da vida futura deste par inexperiente, traduz os costumes de uma época e chega além, pois que atinge o social em variados aspectos dentro de um tempo firmemente datado.
Certa crítica, exigente por conta de outros títulos mais fortes de Ian McEwan, tais como Reparação e Sábado, chega a apontar deficiências, como o pouco aprofundamento do autor ao descrever o íntimo da noiva; entretanto, será que não cabe ao leitor, não apenas o gosto, mas também o direito, de imaginar, de ser um co-autor e completar a obra? Houve quem escrevesse que perto da obra sinfônica de McEwan, Na Praia soa como uma peça de câmara, porém ressaltou que, ainda assim, a execução é irretocável. E o que unânime é a entronização de Ian McEwan como o melhor ficcionista vivo da melhor das literaturas nacionais. Assino embaixo.
GD

OS ANJOS CAIADOS DE ARIOVALDO MATOS

Com data, na ficha catalográfica, registrada em 2005, mas impresso em 2006, o romance Anjos Caiados, de Ariovaldo Matos, foi publicado mediante convênio entre a Assembléia Legislativa do Estado da Bahia e a Academia de Letras da Bahia. A edição, muito bem cuidada, vem trazendo textos importantes, além da cronologia da vida do escritor, seja o jornalista, seja o ficcionista. Encontramos testemunhos tal como o de Othon Jambeiro, assinando “Ari, um jornalista”, enquanto Jorge Amado assina “Um ficcionista baiano”. Já o saudoso Guido Guerra, que foi responsável pela reunião dos contos de Ariovaldo Matos, organizando e selecionando os textos do volume intitulado A Ostra Azul, publicado em 1998, comparece com “Trajetória”. Ariovaldo dedica o romance à memória, entre outros nomes que lhe foram caros, do jornalista Flávio Costa. E agradece a paciência dos que “suportaram suas fantasias de repórter”, entre os quais, primeiramente está Joaci Góes.
Mas, vamos ao romance. São três partes, construídas com uma dose de experimentalismo digna do Cortázar de Rayuela (O Jogo da Amarelinha), como bem notou Guido Guerra, por conta da estrutura multifacetada que recorre ao diálogo teatral, que usa cartas e poemas, que insere, enfim, narrativas várias. O romance teve origem no conto “A construção do sonho” e, por isso, Guido deixou justamente este conto fora da antologia A Ostra Azul, respeitando seu desdobramento, ou o fato do conto ter atingido outro gênero, que lhe seria mais próprio. Muito rico, portanto, é Anjos Caiados. Porém, muitos gostariam de conhecer o conto citado por Guido, daí que seria interessante que Fred Matos, filho de Ariovaldo, também contista e já com livro publicado, em 2006, pelo selo Letras da Bahia, da Fundação Cultural do Estado/ Secretaria da Cultura e Turismo, intitulado Melhor que a encomenda, trouxesse o texto para o público de hoje.
A linguagem é prioridade em se tratando de Ariovaldo, ela é senhora e dona do começo ao fim de qualquer narrativa escrita por ele, porque não se faz a leitura sem sentir admiração, sem deslumbrar-se com o seu fluir livre de obstáculos, ainda que num romance elaborado com tanta complexidade, que lança mão de tantos recursos e de muitos personagens. O tema vem revestido da mistura de religiosidade e sensualidade, da cultura judaico-cristã e dos pecados da carne. A personagem Liúba é bela e sensual. O Padre Eugênio é padre e é homem, e o resultado é a transgressão.
Jornalista, dramaturgo, contista, romancista, muito premiado, traduzido inclusive, Ariovaldo Matos fixou seu nome na literatura baiana. Em 2008 sua morte fará 20 anos. Há contos que ficaram de fora quando Guido fez a seleção. É tempo para organizar outra reunião com tal material.
Gerana Damulakis

POETRIX, de Goulart Gomes

EQUILIBRAÇÃO

aprender uma nova lição:
o ponto de equilíbrio
é o ponto de mutação




TRADE MARX

o lucro não é o fim;
a mais-valia que anseio
é o que vale mais em mim

50 ANOS ON THE ROAD



No dia 5 de setembro de 1957 foi publicado o livro On the Road, de Jack Kerouac. Por conta do aniversário de 50 anos, a editora Viking lançou, pela primeira vez em formato de livro, a versão original que o autor datilografou em um rolo de papel para telex de 36 metros de comprimento. O manuscrito difere da versão final por não ter parágrafos, por ser maior em 120 páginas, por trazer os nomes verdadeiros dos personagens, por conter descrições sexuais sem censuras, afinal, é fruto de uma escrita enlouquecida que levou três semanas para ser concluída, contando uma aventura que se prolongou por sete anos. Após três revisões, o que era memória virou ficção, ganhou adornos literários e Neal Cassady, amigo de Kerouac, passou a ser chamado de Dean Moriarty, enquanto surgiu Sal Paradise, personagem com base no autor, formando um par que atravessa os EUA bebendo, ouvindo música e se envolvendo com todos que cruzam seu caminho.
Da “batida” do jazz associada ao misticismo oriental nasceu o termo “Beat”, em 1952, cunhado por Kerouac para o “movimento que daria voz ao espírito de uma geração em revolta contra o conformismo e a respeitabilidade dos EUA da Multidão Solitária”, segundo Malcolm Bradbury, em O romance americano moderno (Jorge Zahar Editor, 1991). Por outro lado, é certo que a palavra beat tem uma gama de outros sentidos: vai da “batida”, até “botar o pé na estrada” (beat the way), passando por “trilha”, “furo” (jornalístico), mas Kerouac ouviu da boca de um marginal com o sentido de “exaltada exaustão”.
Ainda que William Burroughs tenha sido mais importante como experimentador e, ainda que a expressão poética deste clima emocional tenha ficado por conta do longo poema “Howl” (“Uivo”), de Allen Ginsberg, é o romance de Kerouac, aqui traduzido como Pé na estrada, editado pela L&PM, com tradução, prefácio e delicioso posfácio de Eduardo Bueno, que marca a “prosa bop espontânea”, que influenciou uma horda de escritores nos anos 60.
Não parece necessário que haja uma idade certa, tanto para ler Pé na estrada, quanto para ler O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, parece mais possível que haja o leitor certo para estas narrativas que vivenciam tão profundamente a juventude, sendo até melhor fazer a leitura quando já se está olhando, na segurança da praia, como as ondas são revoltas. A revolução comportamental gerada por On the Road inclui gente como Bob Dylan, que fugiu de casa depois de ler o livro. Basta que o leitor seja capaz de lembrar a inquietação, o fascínio pelas descobertas e o sonho de liberdade, para que usufrua totalmente tais caminhadas. A dupla de Kerouac cruzando o país inteiro a partir da Rota 66, desbrava, transgredindo, outra estrada: a que se vai construindo ao abandonar a infância. A “bíblia hippie”, o mito On the Road, para usar o chavão proporcionado pelo livro-prisão, ofuscou suas outras obras, como The Dharma Bums (Os vagabundos iluminados). Jack Kerouac morreu em 1969: estava apático, sem nenhum espírito de aventura.
Gerana Damulakis