segunda-feira, 27 de outubro de 2008

ENSAIOS AMADORES... OU NÃO!

Gerana Damulakis



Ensaios Amadores... ou não! (Scortecci, 2008)é o título do volume de poemas de uma escritora que suspira. Sua marca: o uso de reticências quase a cada verso, o que, de saída, levanta a lembrança de Mario Quintana que dizia serem as reticências como representantes dos suspiros. E um suspiro na poesia sacraliza o lirismo que ela carrega. Tal lirismo, cristalizado na poesia de Letícia Losekann Coelho, encontra sua força quando trabalha o onírico e pontua cada verso projetando imagens deste delírio e deste sonho: um exemplo excelente é o poema “Devaneios dos sonhos”.
Os poemas “Vento” e “Velho guri” são apenas dois exemplos - há outros - que trazem uma complementação ao vigor poético do livro: representam, pois, a inclusão do peso do tempo. E vale dizer mais: dão conta da experiência dos sentidos e, portanto, da sensualidade, tanto as imagens plasmadas em um poema como “O amor”, quanto a fantasia em “Flor da pele”. A uniformidade estilística do livro de Letícia é sinal da segurança no seu fazer poético, porém, sinaliza igualmente a sua persistência no que acredita, sem a necessidade de experimentações várias. O que é o mesmo que dizer que Letícia tem uma maturidade que lhe é inerente e que se materializa no verso, na estrofe, enfim, no poema, pois que não o perde de vista. Sua intenção poética é lançar a emoção e a conseqüente sensação no papel; e, assim como nós fazemos diante de uma impressão que nos comove, a poesia de Letícia suspira... em êxtase!

VENTO
Letícia Losekann Coelho

O vento procura-me pelos cantos...
Preenche-me de lembranças...
Faz o que dorme acordar...
Fecho meus olhos...
E sinto as punhaladas...
Trago meu cigarro amargo...
E quando solto a fumaça...
Vejo o vento partir...
Com as lembranças mortas...
Que insistem em vir aqui...
Exorcizo-te em mim...
Regozijo quando tu te vais...
Para sempre...
Até o vento voltar!

FORÇA



Gláucia Lemos



Roubam meu deus, meu corpo,
minha hora do sono.
meu sangue roubam. E ruem
as sílabas sutis da minha prece.
O riso e o vigor que remanesce
rompem a fio, desfazem-nos em febre.

Só não podem roubar este meu rumo.
Este travo no dente que me impele,
esta trilha riscada em minhas veias,
este poder de ir de olhos vendados
e retomar o passo após o risco.
Só não podem roubar esta certeza
de que sou como o ímpeto dos rios.
Só não podem secar-me a correnteza.


Gláucia Lemos é romancista, cronista, poeta. Depois do recente lançamento de seu romance Bichos de conchas, dá um mergulho na poesia.