sábado, 1 de novembro de 2008

NÃO SOU MADAME BOVARY


Gerana Damulakis


Um grande conto gerará sempre um grande prazer. Eu organizo antologias de contos: panorâmica, histórica, atualizada. E leio romances. Por que vivo tal paradoxo? Ou melhor, por que faço, por que eu continuo fazendo isto; isto de ficar grudada nos romances quando amo ler os contos, quando meu amor escreve contos, quando minha biblioteca está repleta deles? É bobagem tentar analisar todas as contradições da alma humana, além de ser uma terrível falta do que fazer, além de ser inútil e, por fim, além de tudo mais que quiserem. Mas sigo tão intrigada com a minha atitude. Ontem mesmo, ainda ontem, basta o exemplo do ontem, li um conto de James Salter do livro Última Noite, um conto de Bernard Malamud, de O Barril Mágico, e chega. Leio contos às colherinhas de café (parafraseando T. S. Eliot no poema “A canção de amor de J. Alfred Prufrock”). Feita a leitura dos contos, hora de mergulhar nos romances: entrei no recentemente premiado com o Nobel 2008, Jean-Marie Le Clézio, para devorar Peixe Dourado e igual e antropofagicamente fazer o mesmo com a Crônica na pedra, de Ismail Kadaré (foto), romance de múltipla estrutura, obra de arte. Não sei o que de mim faça (verso de Aramis Ribeiro Costa) com a mania de ler romances. Sei, nesta altura, que não há como temer uma transformação que me leve a ser outra Madame Bovary, só que há vários exemplos na própria literatura que, de tanto ler romances, em lugar de sair pegando homem alucinadamente, a criatura leitora ficou louca. O que é muito pior!