sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

OS VERSOS DO CAPITÃO: UMA HISTÓRIA DE AMOR VERDADEIRA


Gerana Damulakis

Uma das mais conhecidas exaltações amorosas são os Veinte Poemas de Amor y una Cancíon Desesperada, de Pablo Neruda, quando os versos pendem para o lirismo do poema hipoteticamente escrito para as bodas de Sulamita e para o poema “Arte de Amar”, de Ovídio, em que se conjugam a força lírica e a didática erótica.

Na linha que começa com os Vinte Poemas e culmina com as Odes Elementais, o conjunto de poemas intitulado Os Versos do Capitão se diferencia, pois guarda uma história de amor verdadeira entre o poeta e Matilde Urrutia e, por isso, o livro foi publicado anonimamente em 1953, sendo reconhecido por Neruda apenas na terceira edição.

A admiração que provocou confirma que o volume Los Versos del Capitán está entre os mais prestigiados livros de poemas de amor de nosso tempo. O amor deixa de ser um mito: “Eros não é mais um Deus cego e enceguecedor”, retorna o caminhante deslumbrado e sedento de uma totalidade dos sentidos, de uma sinestesia cúmplice do estado de plenitude e, no ritmo de seu caminhar, dissipa o torpor de um deserto que se faz habitado.

A verdade encontra a sua essência, e não é o despotismo de uma racionalização que escolhe isso, mas um desejo que se implanta em cada um de nós, seus leitores, e nos suplanta, é a energia de “Eros fazendo-se poema” como nos versos de “El amor”: o amor real por uma mulher real e tão comum que torna incompreensível tal sentimento. Mais ainda: o amor como invasão, no poema "La pregunta", que entra “en tu vida,/ para no salir más,/ amor, amor, amor./para quedarme”. Queda para sempre a poesia de Pablo Neruda.

O AMOR
-----------Pablo Neruda

O que tens, que temos,
que nos passa?
Ai, nosso amor é uma corda dura
que nos amarra e fere
e se queremos
deixar nossa ferida,
separar-nos,
nos faz um novo nó e nos condena
a nos sangrar e a juntos nos queimar.

O que tens? Te contemplo
e nada encontro em ti senão teus olhos
como todos os olhos, uma boca
perdida entre mil bocas que beijei, mais formosas,
um corpo igual aos que já resvalaram
pelo meu corpo sem deixar memória.

Vazia caminhavas pelo mundo
como uma simples jarra cor de trigo
sem ar, sem nenhum som, sem substância!
Em vão busquei em ti
profundidade para meus braços
que escavam, sob a terra, sem cessar:
sob tua pele, sob teus olhos
nada,
e sob teu duplo peito levantado
apenas
uma corrente de ordem cristalina
que não sabe por que corre cantando.
Por que, por que, por que,
ai, meu amor, por quê?

in Os Versos do Capitão (Bertrand Brasil, 1992). Tradução de Thiago de Mello.