quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

SONETOS DE ESPELHO PARTIDO


Gerana Damulakis


O livro Espelho Partido (FUNCEB, 1996), de Aramis Ribeiro Costa, traz os sonetos escolhidos dentro de um tempo que parte de 1971, ou seja, poemas do autor muitíssimo jovem, que todavia não publicara seu primeiro livro - Quarto Escuro é de 1974 -, até 1996, quando o romancista e contista já contava com mais de uma dezena de títulos publicados.

Os sonetos que foram escolhidos aqui tratam dos olhos, espelhos da alma, como são conhecidos. Além da qualidade, suscitam interesse também pelo tema com tal tratamento poético, haja vista a quantidade de vezes que são reproduzidos nos blogs. Primeiramente o "Soneto dos Olhos Castanhos", para D. Angélica, e na seqüência, os sonetos para os olhos imaginados pelos leitores.


SONETO DOS OLHOS CASTANHOS

A minha Mãe

Nesses teus olhos de um castanho escuro
Vejo os meus próprios olhos refletidos
Silenciosos, quedos, comovidos
De se encontrarem em lugar tão puro.

E se por vezes tens olhar tão duro
Para os meus atos, quando irrefletidos
Em meus momentos tristes, deprimidos
É teu olhar suave que procuro.

São teus olhos castanhos mostruário
Dos sentimentos todos, teu fadário
Que nobremente guardas no teu peito.

E ao ver teus olhos, vejo, desse jeito
Meus próprios olhos tristes - espelhados
Mortos - nos teus olhos amortalhados.


SONETO DOS OLHOS AZUIS

São como dois azuis perdidos lagos
Teus lagos olhos, mansos olhos rasos
Puríssimos azuis, dos prantos vasos
Perdidos olhos claros como lagos.

Espelham os teus olhos mundos vagos
Lagos espelham sóis azuis, ocasos
Translúcidos azuis dos meus acasos
Teus raros olhos claros, olhos vagos.

Vagueiam sobre mim teus olhos caros
Claríssimos azuis teus olhos raros
Perdidos olhos calmos como lagos.

Espelhos que refletem mundos rasos
Espelham sentimentos que são vasos
Teus olhos tão azuis... azuis... e vagos.


SONETO DOS OLHOS VERDES

Esses teus olhos verdes, cor de mar,
São oceanos verdes de esperança
Onde as vagas, sem fim, do teu olhar
Brincam de amor, em rosto de criança.

Quando esses olhos verdes, a sonhar,
Fazem-se vagas, em brejeira dança,
Sinto a tristeza imensa de te amar
E ter-te sempre apenas em lembrança.

Esses teus olhos verdes, transparentes,
São lindas ondas verdes, envolventes,
A segredar paixão que não confessas...

E nessas ondas mansas ou revoltas,
Sobrenadando qual espumas soltas,
Vejo infinitos feitos de promessas...


SONETO DOS OLHOS NEGROS
Teus olhos negros, tristes e profundos
São dois misteriosos infinitos
Onde os meus olhos vão perder-se aflitos
De conhecer-te os teus secretos mundos!

E sempre que retornam oriundos
Desses teus olhos negros e malditos
Menos sabem meus olhos imperitos
Desses teus olhos pérfidos e fundos.

Teus olhos negros, belos e tristonhos
Eternos pesadelos dos meus sonhos
Mudos espelhos de um secreto abismo!

Ao ver-te os olhos negros, tão bonitos
Deixo os meus olhos nos teus olhos fitos
E nos mistérios dos teus olhos cismo...

EM FRENTE


Gerana Damulakis


Para o escritor Hélio Pólvora



Há Apolo e há Dioniso,
o homem olha os mitos
com fé e reza, ainda que
pareça ateu.

Agora, fechou as janelas:
Hélio brilhando lá fora,
não é Febo, ou Pan, nem
o próprio Zeus, mas
é poderoso e forte,
só que pouco adianta,
ele já fechou suas janelas.



Este poema é do livro Guardador de Mitos.
A foto traz os escritores, da esquerda para a direita: Aramis Ribeiro Costa, James Amado e Hélio Pólvora. Estávamos então na Fundação Casa de Jorge Amado, ao fundo estão as paredes forradas com as capas dos romances de Jorge em traduções pelo mundo.