quarta-feira, 30 de junho de 2010

CERTA SENSAÇÃO



Gerana Damulakis

A minha amiga Ângela Vilma, poeta e prosadora de primeiríssima, conversava comigo e, entre vários assuntos literários, chegamos, já não sei como, a um ponto interessante: a sensação causada por certos poemas, sensação esquisita; não sabemos precisar a razão exata que detona tal, digamos, estupefação, ou estranheza.

Com Ângela Vilma, a sensação é causada pelo verso "-Antônia, você parece uma lagarta listada", do poema "Namorados", de Manuel Bandeira, que está no livro Libertinagem. O meu exemplo é o verso "uma noiva verde", do poema "Quero me casar", do volume Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade, que costumo associar à sensação causada pelos versos do "Poema de sete faces", do mesmo livro de 1930: "O bonde passa cheio de pernas:/ pernas brancas pretas amarelas./ Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração./ Porém meus olhos/ não perguntam nada."

Enfim, conversa de quem é apaixonado por poesia. Ao fim e ao cabo, a leitura dos poemas sempre vale a pena. E você? Conte-me se entende a sensação que Ângela e eu sentimos.



NAMORADOS
-----------------Manuel Bandeira

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
-Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
-Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?
A moça se lembrava:
-A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
-Antônia, você parece uma lagarta listada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
-Antônia, você é engraçada! Você parece louca.


QUERO ME CASAR
--------------Carlos Drummond de Andrade

Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.

Procuro uma noiva
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho.

Depressa, que o amor
não pode esperar!

terça-feira, 29 de junho de 2010

"DOIS CORPOS", DE OCTAVIO PAZ



Gerana Damulakis

Octavio Paz (1914-1998), poeta mexicano, excelente crítico e ensaísta, não precisa mais do que alguns versos para atestar sua contribuição entre as grandes vozes da lírica hispano-americano. Escolhi a tradução de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Há outras. Quem tem uma tradução preferida, que opine e traga para apreciação; nunca será demais.



DOIS CORPOS
Octavio Paz

Dois corpos frente a frente
às vezes duas ondas
são, e a noite é oceano.

Dois corpos frente a frente
às vezes duas pedras
são, e a noite deserto.

Dois corpos frente a frente
são às vezes raízes
na noite enlaçadas.

Dois corpos frente a frente
são às vezes navalhas,
e é relâmpago a noite.

Dois corpos frente a frente
são dois astros que caem
num céu ermo e vazio.


Ilustração: O beijo, de Henri de Toulouse-Lautrec.

sábado, 26 de junho de 2010

AS JOIAS DE MAUPASSANT II


Gerana Damulakis

No outro conto de Maupassant, "As Joias", que está no volume Ao Luar, há uma inversão em relação ao conto da postagem anterior: se em "O Colar" uma imitação foi tomada por um colar de diamantes, agora as joias tidas como falsas são realmente verdadeiras. A arte do contista em questão está, para Somerset Maugham (seguimos com ele e sua análise), em não copiar a vida, mas dispor da vida com o intuito de "mais nos interessar, excitar e surpreender"; portanto, não procuremos indagar sobre a plausibilidade das histórias, vamos ficar com seus efeitos . "As Joias" é outra narrativa engenhosa, embora simples em suas linhas gerais.

Resumo de "As Joias": o Sr. Lantin ficou viuvo, um viuvo inconsolável. Empregado do Ministérior do Interior, perdeu sua mulher subitamente, graças a um edema pulmonar. O casal era feliz. A mulher teria sido perfeita se não tivesse a mania de colecionar imitações de joias; quando reprovada pelo marido, ela dizia ser esta sua única fraqueza: "Custam tão pouco!", exclamava. Com a morte da esposa, o Sr. Lantin esvaziou as gavetas cheias de anéis, broches e colares e levou um dos colares ao joalheiro. Ficou sabendo, então, que o colar valia 18 mil francos. O joalheiro assegurou, ainda, que o vendera para Madame Lantin por 20 mil. Chocado, o Sr. Lantin voltou ao joalheiro com outras joias e constatou que todas eram autênticas: os anéis valiam 16 mil, um conjunto de pedras preciosas valia 14 mil, uma corrente de ouro com um solitário valia 40 mil e, no total, as joias renderam 143 mil, verdadeira fortuna. Abalado, certo da desonestidade da esposa, ele voltou a se erguer ao lembrar que se tornou um homem rico. Pediu demissão do Ministério, disse que ganhou uma herança e jantou fartamente no Café Des Anglais. Meio ano depois, casou novamente. Ao contrário da doçura da primeira esposa, a nova mulher, apesar de ser corretíssima, era geniosa, explodia por tudo... a vida do casal foi um inferno!

Ilustração: Alfred Sisley e sua esposa, de Renoir.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

AS JOIAS DE MAUPASSANT I



Gerana Damulakis

Há dois contos memoráveis de Guy de Maupassant: "As Joias", que está no livro Ao Luar, e "O Colar", em Bola de sebo.

O escritor William Somerset Maugham, em ensaio sobre o conto, no livro Pontos de vista, diz preferir o tipo de história que muitos podem escrever, mas ninguém com mais brilho que Maupassant, e ilustra o argumento analisando o conto "La Parure" (aqui traduzido como "O Adereço", ou "O Colar"). A qualidade fundamental da história, segundo Maugham, é a de poder ser contada, sempre prendendo a atenção de quem escuta.

Resumo do conto "O Colar": um amanuense e sua esposa, Matilde Loisel, são convidados para uma recepção na casa do Ministro da Instrução Pública. O marido permite que Matilde compre um vestido novo. Querendo completar o visual, Matilde pede um adereço emprestado a uma antiga colega de colégio: a senhora Forestier empresta um colar. Quando retorna da festa, Matilde constata que perdeu o colar. Numa loja, ela encontra um colar igual, só que custa quarenta mil francos. Matilde e o marido começam o martírio: conseguido um desconto na joia, conseguidos empréstimos vários, o casal compra o colar, que é devolvido à senhora Forestier. Os Loisel mudam o estilo de vida, passam a alugar quartos, não compram mais roupas, moram no sótão até que, dez anos depois, Madame Loisel encontra, por acaso, a senhora Forestier. Irreconhecível, dadas as circunstâncias da vida, Madame Loisel conta a história do colar e tudo que passou para restituí-lo. A senhora Forestier fica espantada ao saber que um colar de diamantes fora comprado para substituir o seu e diz:

"-Oh, minha pobre Matilde! O meu era de imitação. Não valeria mais de quinhentos francos!"

Amanhã, em "As joias de Maupassant II", escreverei (ou contarei) sobre o conto "As joias".

Ilustração: Renoir - Seated Bather; c. 1883- 84.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

FELIZ CUMPLEAÑOS PARA SABATO


Gerana Damulakis

Ernesto Sabato, escritor argentino, nascido em 1911, completa hoje, 24 de junho, 99 anos. Autor de romances, tal como O túnel (Companhia das Letras, 2000) - uma história envolvente, com personagens psicologicamente explorados e narrativa muito bem elaborada -, Sabato é também um grande ensaísta.
Confesso que, apesar do romance que citei ter proporcionado prazer de leitura e reconhecimento do alto nível narrativo, são os ensaios de Sabato que primeiramente me fascinaram: O escritor e seus fantasmas (Companhia das Letras, 2001) - vale deixar na cabeceira, pois é para ler e reler, haja vista a lucidez da visão e das colocações sobre a literatura como o espetacular meio de analisar a existência -; Heterodoxia (Papirus, 1993); Três aproximações à literatura de nosso tempo (Àtica, 1994) e Diálogos Borges Sabato (Globo, 2005): todos imperdíveis.
Infelizmente, apenas os supracitados são os títulos que li. Lerei outros como, por exemplo, o romance Sobre herois e tumbas.

O grande romance não só serve ao conhecimento do homem como também à sua salvação.
Ernesto Sabato

terça-feira, 22 de junho de 2010

DO MEMORIAL DO CONVENTO

Gerana Damulakis

Para Rayuela, que está apreciando os trechos de José Saramago na língua original, o português EUR, segue um tanto do Memorial do Convento (Bertrand Brasil, 1997).
Rayuela tem o blog http://en-zigurat.blogspot.com/, onde se encontra a magia de seus textos poéticos.

... é a grande, interminável conversa das mulheres, parece coisa nenhuma, isto pensam os homens, nem eles imaginam que esta conversa é que segura o mundo na sua órbita, não fossem falarem as mulheres umas com as outras, já os homens teriam perdido o sentido da casa e do planeta, ...

Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita. Mas são também os sonhos que lhe fazem uma coroa de luas, por isso o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu.

Procura cada qual, por seu próprio caminho, a graça, seja ela o que for, uma simples paisagem com algum céu por cima, uma hora do dia ou da noite, duas árvores, três se forem as de Rembrandt, um murmúrio, sem sabermos se com isto se fecha o caminho ou finalmente se abre, e para onde, para outra paisagem, ou hora, ou árvore, ou murmúrio.

... é com a pele que os corpos se conhecem, reconhecem e aceitam, e se certas profundas penetrações, certos íntimos contactos são entre mucosa e pele, quase se não dá pela diferença, é como se se tivesse procurado e encontrado uma pele mais remota.

Pode a verdade estar na boca das crianças, mas para a dizerem têm de crescer primeiro, e então passam a mentir.
José Saramago


Ilustração: Convento de Mafra, gravura da época.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A CAVERNA



Sou incapaz de destacar o título maior de José Saramago, mas costumo pensar muito no romance A Caverna (Companhia das Letras, 2000) todas as vezes, se e quando coloco o assunto das preferências.

Do meu caderno, seguem algumas passagens inesquecíveis retiradas da grande alegoria plasmada em A Caverna:

... nas circum-navegações da vida uma brisa amena para uns pode ser para outros uma tempestade mortal, tudo depende do calado do barco e do estado das velas.

... o tempo é um mestre-de-cerimónias que sempre acaba por nos pôr no lugar que nos compete, vamos avançando, parando e recuando às ordens dele, o nosso erro é imaginar que podemos trocar-lhe as voltas.

... O MAU NÃO É TER UMA ILUSÃO, O MAU É ILUDIR-SE, ...

... É difícil pensar quando não se sabe, Discordo, pensa-se precisamente porque não se sabe, ...

José Saramago



Ilustração: não encontrei os créditos na net.

domingo, 20 de junho de 2010

TRECHOS DE A VIAGEM DO ELEFANTE


Quase apenas um par de frases de A viagem do elefante (Companhia das Letras, 2008), de José Saramago:

Como já deveríamos saber, a representação mais exata, mais precisa, da alma humana é o labirinto. Com ela tudo é possível.

A vida, porém, tem muitas cartas no baralho e não é raro que as jogue quando menos se espera.
José Saramago


Ilustração: Rafal Olbinski para Don Giovanni.

sábado, 19 de junho de 2010

TRECHOS DE O ANO DA MORTE...


TRECHOS DE O ano da morte de Ricardo Reis (Companhia das Letras, 1997), de José Saramago.

Podia ser verdade, podia ser mentira, é essa a insuficiência das palavras, ou, pelo contrário, a sua condenação por duplicidade sistemática, uma palavra mente, com a mesma palavra se diz a verdade, não somos o que dizemos, somos o crédito que nos dão.

A mais inútil coisa deste mundo é o arrependimento, em geral quem se diz arrependido quer apenas conquistar perdão e esquecimento, no fundo, cada um de nós continua a prezar as suas culpas.

O jogo entre uma memória que puxa e um esquecimento que empurra é jogo inútil, o esquecimento acaba por ganhar sempre.
O mundo esquece tudo, o mundo esquece tanto que nem sequer dá pela falta do que esqueceu.

Não esquecer que todas as cartas de amor são ridículas, isto é o que se escreve quando já a morte vem subindo a escada, quando se torna de súbito claro que verdadeiramente ridículo é não ter recebido nunca uma carta de amor.

A solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz.



Foto de José Saramago: Céu Guarda.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

JOSÉ SARAMAGO (16 DE NOVEMBRO DE 1922- 18 DE JUNHO DE 2010)


Gerana Damulakis

A morte me cala.
Não encontro palavras para fazer uma homenagem ao escritor que admiro e hoje se foi.
A morte vence as palavras.
Cada livro escrito por Saramago foi lido com enorme entusiasmo. Suas frases, seu estilo único, suas histórias... Já escrevi tanto sobre seus romances e, invariavelmente, intitulei meus textos "Saramago, sempre Saramago", dada a quantidade de vezes que senti necessidade de escrever sobre sua obra e, agora, fiquei travada.
Quem vem ao Leitora, encontra nos slides, logo no primeiro, a foto do meu escritor de cabeceira.
Quem já leu alguma coisa aqui, sabe que tenho um caderno com trechos retirados dos romances, livro a livro. Li tudo de Saramago. Já postei, inclusive, poemas de Saramago. Tal admiração, tal empatia, diante da morte dele levanta uma imensa tristeza.
Resta recorrer a ele próprio:

Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais.
José Saramago

domingo, 13 de junho de 2010

"O AMOR É UMA CARTA"

Gerana Damulakis

Machado de Assis de A a X - Um Dicionário de Citações (Editora 34, 2001), de Lucia Leite Ribeiro Prado Lopes, com ilustrações extraídas da Revista Illustrada de Angelo Agostini, é um livro do tipo que eu elaboraria para as frases de José Saramago que, por sinal, já estão no meu lindo caderno com capa dourada e azul, presente de minha amiga da vida inteira.

Admiro o livro e nele releio os achados do Bruxo do Cosme Velho. A ironia elegante do nosso escritor maior é, além de cortante, sempre refinada, como ao comparar o amor com uma carta:

- O amor é uma carta, mais ou menos longa, escrita em papel velino, corte-dourado, muito cheiroso e catita; carta de parabéns quando se lê, carta de pêsames quando se acabou de ler. Machado de Assis in A mão e a luva, cap. I

Ilustração: A Carta, óleo sobre tela de Alfredo Keil, pintado em 1874. Museu do Chiado, Lisboa.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

UMA GRANDE BALADA

Gerana Damulakis


A poesia brasileira do século 20 tem grandes nomes, já sabemos. A poesia brasileira do século 20 tem nomes que não alcançaram rótulos de grandes nomes, embora grandes.
Aqui, na Bahia, dei a minha contribuição ao resgatar um nome que é um grande nome da poesia baiana: Sosígenes Costa.
Se entendida fosse, procuraria resgatar um outro nome: Abgar Renault.
Nascido em Barbacena, em 1901, Abgar Renault morreu em 1995 e escreveu uma poesia que, seguramente, não morreu, mas precisa ser resgatada de certo esquecimento. Independente, com substanciosa carga de vivência, a poesia do mineiro chegou a ser reconhecida, só que faltou algo mais, porque ser reconhecida em dado momento não é o mesmo que ganhar grandiosidade além do tempo.


BALADA DA IRREMEDIÁVEL TRISTEZA
----------------------Abgar Renault


Eu hoje estou inabitável...
Não sei por quê,
levantei com o pé esquerdo:
o meu primeiro cigarro amargou
como uma colherada de fel;
a tristeza de vários corações bem tristes
veio, sem quê, nem por quê,
encher meu coração vazio...vazio...
Eu hoje estou inabitável...


A vida está doendo...doendo...
A vida está toda atrapalhada...
Estou sozinho numa estrada
fazendo a pé um raid impossível.


Ah! se eu pudesse me embebedar
e cambalear...cambalear...
cair, e acordar desta tristeza
que ninguém, ninguém sabe...
Todo mundo vai rir destes meus versos,
mas jurarei por Deus, se for preciso:
eu hoje estou inabitável...


A outra face da lua in Obra Poética (Record, 1990), p. 80.
Ilustração: Monet, da série Nenúfares.

terça-feira, 8 de junho de 2010

2º ROMANCE DE CARLOS BARBOSA: BEIRA DE RIO, CORRENTEZA



Recebi por e-mail, enviado por Marcelo Torres, o texto que divulga o livro de Carlos Barbosa, com lançamento marcado para amanhã. O texto foi extraído do site Notícia Capital, de Jolivaldo Freitas.

A Bom Texto Editora lançará no dia 9 de junho, das 17h às 21h, na Livraria LDM, o segundo romance de Carlos Barbosa, Beira de rio, correnteza: ventura e danação de um salta-muros no tempo da ditadura. O autor retorna ao São Francisco, cenário de seu primeiro romance, para contar a história de Gero, um adolescente que lê livros estranhos, um fracote, que ainda sofre os efeitos de recente tragédia familiar, o sumiço do irmão Toninho no rio. Ao se envolver com Liana, vive as delícias do amor e os tormentos do ciúme. E, enquanto um comando especial do Exército vasculha a cidade e as redondezas na caça do guerrilheiro Carlos Lamarca, escondido em algum lugar por ali, Gero torna-se o principal ator nos acontecimentos da que pode ser chamada de "noite das rajadas".

Segundo o autor, "não se cresce impunemente na beira de um rio como foi o São Francisco. Agora não mais, mas na minha região o São Francisco era fonte primordial de vida e a via de conexão com o resto do mundo. Era também espaço amoroso e lúdico. Havia pouca vida fora do rio. E muita tragédia também em suas águas, das enchentes às mortes por afogamento, infelizmente, comuns. Quando a rodovia federal tocou o rio, no início da década de 1970, alguns desses aspectos se superpuseram, outros trocaram de mão, e aqueles trágicos se acentuaram”.

E tal experiência não poderia ficar de fora de sua literatura. A perseguição aos guerrilheiros Carlos Lamarca e Zequinha Barreto, em setembro de 1971, foi um acontecimento histórico impressionante e perturbador para os moradores da região. Carlos Barbosa era um deles. Esse evento sempre o atormentou para ser transfigurado literariamente. E, ao contar a história de amor entre o adolescente Gero e Liana, uma misteriosa mulher que veio do Sul, a escrita o levou para aqueles dias de insegurança e medo. O autor trata com lirismo o rio e sua correnteza, uma onda contínua que carrega com ele. O título evidencia um simbólico embate entre a matéria – a estática “beira do rio” – e o tempo – a “correnteza” que passa inexoravelmente. Ao mesmo tempo, Carlos Barbosa gera outra dicotomia: recupera ficcionalmente um fato importante e trágico da nossa história recente, com a liberdade que o romance permite, e narra a história de amor de Gero e Liana.

O autor: Carlos Barbosa nasceu no interior da Bahia. Graduou-se em jornalismo e em direito. Atuou nas áreas de Comunicação Social da Caixa Econômica Federal e do Ministério do Planejamento, em Brasília. Escreveu letras de música, participou de festivais e teve seu primeiro conto premiado no Concurso de Contos do Jornal da Bahia, em 1977. É parceiro de Dominguinhos em duas canções. Publicou Água de cacimba, livro de poemas, em 1998; Matalotagem e outros poemas da viagem, pelo selo Letras da Bahia, Funceb/BA, 2006; o romance A dama do Velho Chico (Bom Texto, 2002) – que foi selecionado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) para o PNBE (Programa Nacional Biblioteca Escola), em 2009 –; participou das antologias Poesia de Brasília e Contos brasilienses, em 2004. Em 2001, foi premiado pelo Ministério da Cultura no Concurso de Desenvolvimento de Roteiros, com o roteiro de A dama do Velho Chico.

Extraído de: http://www.noticiacapital.com.br/

domingo, 6 de junho de 2010

UMA JOIA LITERÁRIA

O texto a seguir é de Janaína Amado, filha da poeta Jacinta Passos.

O lançamento deste livro está me deixando muito emocionada. Finalmente, realizo o sonho de trazer de volta toda a bela poesia de minha mãe, a poeta Jacinta Passos (1914-1973), assim como a luta de sua existência. O volume, uma publicação da Editora da Universidade Federal da Bahia e da Editora Corrupio, reúne todos os livros publicados de Jacinta Passos, seus textos jornalísticos, seus inéditos em prosa e verso, sua biografia - escrita por mim -, a fortuna crítica, além de estudos produzidos especialmente para esta edição por intelectuais de renome. O volume é enriquecido com um caderno de imagens e com os belíssimos desenhos de Lasar Segall, feitos para um dos livros de Jacinta. Espero no lançamento, na próxima terça-feira, dia 8 de junho, na Galeria do Livro, no Espaço Unibanco de Cinema Glauber Rocha, na Praça Castro Alves, os leitores de Salvador e arredores.
Janaína Amado

sábado, 5 de junho de 2010

SONHOS DOURADOS

Gerana Damulakis

O soneto “Essa que eu hei de amar…”, de Guilherme de Almeida (1890 – 1969), é um poema que, apesar de belo e melódico, me interessa mais pelo conteúdo. Transcendendo a leitura imediata, a voz lírica vai além do exemplo, ou seja, um sonhador que idealiza a mulher amada, mas idealizou tanto que ela passou por ele e ele não percebeu, preso que estava ao sonho, à ilusão. Levar o conteúdo do poema para a vastidão dos nossos desejos, não apenas os amorosos, mas desejos outros, desejos vários, pode mostrar, ou lembrar, a quantidade de vezes que as oportunidades são perdidas porque a ilusão cegou a visão da realidade.

ESSA QUE EU HEI DE AMAR...

-------------------Guilherme de Almeida

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia,
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.

E, quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…

E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"


Ilustração: Edward Hopper (1882-1967), Room in New York (1932).

sexta-feira, 4 de junho de 2010

SÁBADO NA LDM: CONTOS DE ALEILTON

Gerana Damulakis

Aleilton Fonseca lançará sábado, na Livraria LDM, o conjunto de contos A mulher dos sonhos & outra histórias de humor (Via Litterarum Editora, 2010). Posso assegurar que o leitor encontrará momentos de descontração e riso durante a leitura. Quando li, para escrever o prefácio que assino, acabei rouca de tanta risada. E, sempre, os textos trazem a qualidade literária do ficcionista de O pêndulo de Euclides e dos outros títulos de sua prosa.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

MARIA


Soube faz menos de uma hora (acho - estou atordoada) que Maria Sampaio se foi. Embora já sabendo que ela não estava bem, nunca estamos preparados para a notícia. Rodei pelos blogs amigos, todos já estão com as postagens que prestam homenagem ao ser humano que ela foi, com aquela capacidade enorme de reunir pessoas.
Não lembro quando comecei a sentir que fazia parte de uma blogosfera determinada, essa blogosfera com integrantes que são baianos, que podem marcar encontros, que podem se tocar, mas que todos os dias trocam palavras num mundo virtual. Há exceções: Chorik, por exemplo, faz parte dessa blogosfera, mas mora em Americana, São Paulo, só que, durante o encontro de dezembro, falamos muito dele, fizemos como se ele estivesse presente. Maria ali, presença central. Ninguém precisou dizer que tudo acontecia em torno dela; contudo, acontecia.
Pensei em lembrar, nesse instante, da fotógrafa (e citar seus livros com fotos maravilhosas), pensei em lembrar a escritora (e citar seus livros também, com a prosa madura dos romances, com a ironia e o humor dos contos), mas não quero ser leitora. Quero lembrar Maria sentada no restaurante, conversando, rindo, aglutinando.
Quero escrever que foi muito bom ter conhecido Maria Sampaio no mundo virtual e no mundo real. Saudade, muita.

Foto de Maria Sampaio feita por Adenor Gondim.