domingo, 24 de agosto de 2008

HOMERO, GLÓRIA E LENDA



(sobre Homero, o homem e a lenda em torno)

Gerana Damulakis

É ampla a bibliografia sobre a questão homérica que, famosa, sobressai no campo da filologia clássica com várias teorias para explicar a formação dos dois poemas de Homero. Apaixonados, há os que defendem a unidade inflexível dos poemas e há os que argumentam, com base na análise estilística, usando a presença de elementos heterogêneos na intrincada trama, o comprometimento da unidade estrutural na escrita homérica. Dependente desta questão, surge outra: Homero existiu? Se a obra homérica é, como querem alguns, uma obra do povo, por outro lado é indubitável a intervenção de um poeta altamente dotado para distinguir em sua marca assuntos já tradicionais.
Então, houve um homem. A lenda envolveu de tal modo a figura deste homem que nenhum dado tem comprovação histórica. O local de seu nascimento é disputado por oito cidades helênicas. Não há dúvida de que os poemas foram compostos na Ásia Menor, mas em que região exata? Nenhuma cidade apresenta provas de ter visto as obras homéricas aparecerem. Nem tomando por base a língua usada pelo autor surge qualquer elucidação, porque Homero compondo no dialeto jônico não deixou de usar elementos eólicos. E, mesmo este fundo jônico tem modificações, além da mistura de palavras cretenses e cipriotas.
Enfim, a língua não deixa margem a conclusões definitivas. Há uma hipótese que previlegia Mileto, porque o fundador desta cidade era descendente de Nestor, e este Nestor ocupa lugar de destaque, por exemplo, n’A Ilíada, quando Aquiles rende-lhe homenagem. Portanto, por esta via, Homero escreveu no século IX a C., em um lugar jônico da Ásia Menor, provavelmente Mileto. Se ele era de origem nobre e se somamos a isto o fato de que era cego e deixou discípulos, os homérides, os quais os mais significativos viveram em Quios, então, parece que esta é toda a informação que chegou desde a antiguidade.
Quanto ao século no qual Homero viveu, parece não haver dúvida pelo menos por parte do historiador Heródoto, que escreveu no século V a C..: “Homero viveu apenas quatro séculos antes de mim”.
Também a época em que a Ilíada foi escrita tem lá seus argumentos: a queda de Tróia deve ter ocorrido 400 anos antes da composição do poema, pois os fatos eram tão conhecidos dos gregos que Homero sequer se preocupou em introduzir historicamente o público dando as razões da guerra e entra de chofre, começando A Ilíada no nono ano do conflito com a ira de Aquiles. Isto leva a crer que Homero participou do apogeu do movimento épico na Jônia do século VIII a C. e, daí, a tendência é concluir que ele poetou em Quios, tenha ou não nascido neste local.


Foto do "Mapa de Grecia na Idade de Bronce como se describe na Ilíada de Homero", por Image, retirada do Flickr.

PROSA POÉTICA DA CIDADE-MULHER


Carlos Vilarinho


Meus olhos passeiam errantes pela cidade. Palhaços contundentes, cheios de erotismo e palavras berrantes na ânsia do pão misturam-se às imagens dobradas da avenida. Dobraduras de Drummond. Essas ruas agitadas de passantes nuas, sem poetas. Entediadas e enternecidas, longínquas de pensamento. Nas ruas, Deus e o tempo estão presentes. Marcam em absoluto a resolução do homem em tornar- se solitário. Correndo para garantir um lugar ao futuro. Que futuro? A tumba.
Quando ela passou de salto alto e olhar de cama, o frenesi me assaltou. Segui com os olhos. Aquele amor estava nas notas reais de meu bolso. Pensei no texto. Prostituta e literatura, dois amores. Parentes, irmãs, uma dentro da outra. Uma possuía a outra. Afonia geral. Ela, somente ela, descia a ladeira do São Bento e levava consigo o sentimento do mundo. O poeta do condor observava. De repente o temporal desabou e tudo ao redor da praça ficou cinza. O mar ficou cinza e a imagem do forte estava salpicada em minhas lentes. Ela escondia-se sob as árvores do canteiro da igreja. As vozes ressurgiam apressadas. Eu, absorto, olhava a extensão da avenida chuvosa e os transeuntes pobres. Sonhava acordado e embaixo de chuva com o olhar de cama. Excitação que deveria ser efêmera, amor impossível. Benfeitora dos homens solitários.
Não há mais o tempo do carrinho de primavera que passava anunciando sorvete de mangaba, chocolate ou dust miller. Do bom pastel chinês depois da sessão no cinema Guarani. A praça não balança mais com o som de Dôdo e Osmar. A cidade cresceu para os flancos, abriu-se, adentrou-se na mata atlântica e paralela.
Os homens por sua vez, não cresceram em flancos. Tomavam rapidez em si mesmos. Os homens não lêem poesias. Por sua vez, a cidade é mulher, sempre fora mulher. A literatura é mulher. A mulher é um poema belo e inacabado. A cidade é vaidosa e a mulher cresceu mais que os homens. Algumas majestosas. Outras tão majestosas e pedintes de amor que levam um travesseiro na alma. Ela desceu a ladeira de São Bento, seguiu em frente e entrou numa casa de luzes. Bebi e fumei à cidade. Não vi amigos, só trovadores em eco e dança sensual. Os paralelepípedos davam topadas em pés trôpegos num terreiro católico. Chicotes que voam em capoeiras. Então com o limo das pedras e o odor dos becos mijados, já turva a visão em cravo de álcool, vi novamente o salto alto. Ela me olhava em compaixão. Eu lembrei do desejo, mas cambaleante, caí. Agachada e sem nada por baixo, vi o recorte talhado da cidade. Os homens apararam a mata, a mulher é vaidosa e a cidade cresceu mais que os homens.

Carlos Vilarinho é autor de As Sete Faces de Severina Caolha & Outras Histórias (FUNCEB, 2005). Foto de Salvador, Bahia, por LetoCarvalho, retirada do Flickr.

AMOR IMPERATIVO

Alexandre Core







Sei que no início era o Verbo
Num crescente ritmo constante,
Antes do futuro e desse instante,
Nascendo do passado que herdo.

Sabes também que não te espero
Cruzar por um caminho mais distante,
Enfrentar o frio, fio de prata cortante,
E seguir o rumo que eu mais quero.

E esse nosso amar-amei-amamos,
Verbo que tantas vezes conjugamos
No presente e pretérito do indicativo,

Guardado no peito, e que desta feita,
Sempre te encontrou mais-que-perfeita,
Continua me achando imperativo.



Alexandre Core assina o blog Anema & Core: http://anemaecore.blogspot.com/ . Tem entrada pelos meus "Favoritos".