terça-feira, 22 de junho de 2010

DO MEMORIAL DO CONVENTO

Gerana Damulakis

Para Rayuela, que está apreciando os trechos de José Saramago na língua original, o português EUR, segue um tanto do Memorial do Convento (Bertrand Brasil, 1997).
Rayuela tem o blog http://en-zigurat.blogspot.com/, onde se encontra a magia de seus textos poéticos.

... é a grande, interminável conversa das mulheres, parece coisa nenhuma, isto pensam os homens, nem eles imaginam que esta conversa é que segura o mundo na sua órbita, não fossem falarem as mulheres umas com as outras, já os homens teriam perdido o sentido da casa e do planeta, ...

Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita. Mas são também os sonhos que lhe fazem uma coroa de luas, por isso o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu.

Procura cada qual, por seu próprio caminho, a graça, seja ela o que for, uma simples paisagem com algum céu por cima, uma hora do dia ou da noite, duas árvores, três se forem as de Rembrandt, um murmúrio, sem sabermos se com isto se fecha o caminho ou finalmente se abre, e para onde, para outra paisagem, ou hora, ou árvore, ou murmúrio.

... é com a pele que os corpos se conhecem, reconhecem e aceitam, e se certas profundas penetrações, certos íntimos contactos são entre mucosa e pele, quase se não dá pela diferença, é como se se tivesse procurado e encontrado uma pele mais remota.

Pode a verdade estar na boca das crianças, mas para a dizerem têm de crescer primeiro, e então passam a mentir.
José Saramago


Ilustração: Convento de Mafra, gravura da época.