sábado, 8 de dezembro de 2007

CAIXA GÓRKI


Gerana Damulakis




Se há um romance que sempre consta nas listas dos clássicos, este romance é A mãe, de Górki. Alguns contos também são lidos, como os que formam o volume Certo dia de outono & outros contos, encontrado, tal como o romance, no catálogo da Ediouro. Já era notória a maneira como Górki extraiu literatura da vida através das confissões que estão nos ensaios de Três russos e como me tornei um escritor (Martins Fontes, 2006), assim como do volume organizado por Boris Schnaiderman, Carta e LiteraturaCorrespondência entre Tchékhov e Górki (Edusp, 2001), partindo do trabalho de Sophia Angelides.
A novidade fica por conta da Editora Cosac Naify, trazendo neste 2007 a prosa autobiográfica de Górki em reunião na caixa com três volumes: Infância(1913) , Ganhando meu pão (1916) e Minhas universidades (1922), escritos que abarcam mudanças drásticas em sua vida. Boris Schnaiderman e Rubens Figueredo são os tradutores, além de completarem a bela caixa com textos enriquecedores. Górki estava com 45 anos quando escreveu a trilogia no exílio político. A nota pitoresca em Infância é igualmente a nota mais emotiva do volume: a figura da avó. Ela é uma personagem interessantíssima e plenamente envolta numa aura de amor e carinho. Com isto estamos, entretanto, longe de sequer encontrar, quanto mais sentir explicitamente, algum exagero, alguma pieguice. Pois que Górki já tinha naquela altura toda a consciência literária e todo o apuro formal, que não permitiam que uma linha fosse escrita sem seu famoso posicionamento autocrítico, por vezes talvez rigoroso demais, ainda que responsável pela mistura de refinamento e matéria popular bem lograda, como salienta Rubens Figueredo.
Foi uma vida de caminhante, andou quilômetros pela sua vasta terra, podendo experimentar de tudo: padeiro, pintor, estivador, lavador de pratos. Se nos seus primeiros contos, o linguajar rústico era estranho para seus mentores, Korolenko e Tchekhov, foi a trajetória de uma operária rumo ao heroísmo de uma militante em A mãe, que fez deste romance o modelo da prosa do realismo socialista imposto pelo Congresso de Escritores, em 1934, como estilo oficial, ou seja, do agrado de Stálin. Nada, porém, salvou Górki de ser descartado quando não era mais útil ao regime. Daqui em diante são outras histórias.
Da caixa Górki dá para auferir o valor do escritor, o talento somado à experiência enorme de vida, ou dos vários modos de viver vidas numa só, como quem sabe extrair tudo até do que é apenas possibilidade. Quando mais não fosse para confirmar a riqueza da literatura russa, tal trilogia das memórias de Górki seria já por si mesma uma lição de persistência e determinação, necessárias a todo escritor.
Coluna Olho Crítico, da Página Aberta do jornal Tribuna da Bahia, 08/12/2007.