terça-feira, 9 de outubro de 2007

CONSPIRAÇÃO DE NUVENS


Lygia Fagundes Telles fecha com Conspiração de nuvens uma trilogia iniciada em 2000 com Invenção e memória, que teve seguimento com Durante aquele estranho chá, em 2002. Tanto o livro de 2002 quanto este lançado na Bienal do Livro do Rio 2007, foram organizados por Suênio Campos de Lucena, e todos os três saíram pela Rocco. Mas o que define os volumes como uma trilogia está justamente no título do primeiro livro: uma mistura de memória e invenção; o que, de saída, garante o prazer da leitura, haja vista a qualidade da narrativa lygiana inquestionável. Lygia Fagundes Telles é escritora para quem se tira o chapéu, estende-se o tapete vermelho e se pede para passar — figura tomada de empréstimo, pois foi emitida por Hélio Pólvora em conversa sobre a escritora.
Conspiração de nuvens traz 19 histórias curtas que contam viagens, fatos da infância, observações e casos sobre intelectuais amigos da escritora, sem deixar de lembrar a cidade de São Paulo e as cidades do interior que fizeram parte da sua vida. O belo título vem da história passada nos anos 70, de um momento de censura acirrada aos textos dos escritores, quando mais de quatrocentos livros de autores brasileiros e estrangeiros estavam proibidos. Por intermédio de Rubem Fonseca, cujo livro Feliz ano novo fora vetado por conta da violência que incentivaria mais violência, Lygia integrou uma comitiva que rumou para Brasília com O Manifesto dos Mil Contra a Censura, mil assinaturas, para entregar ao ministro da justiça Armando Falcão. Mas, no avião, sentada entre o historiador Hélio Silva e um anônimo que lia o jornal, Lygia leu a notícia sobre a ida da comissão, em negrito. O que era para ser surpresa tinha vazado! Ao olhar para fora, as nuvens se aglomeravam: uma conspiração de nuvens! O resto é história para ler, não vale antecipar o sabor da leitura.
Jósif Bródski dizia que a biografia de um escritor está nos meandros de seu estilo. Lygia vem fazendo isto com afinco. E com perfeição estilística, temperando a memória com a criação literária. Tapete vermelho para ela.

Gerana Damulakis


SARAMAGO, SEMPRE SARAMAGO

O Ano de 1993 é o título da mais recente publicação de José Saramago pela Companhia das Letras. Trata-se de uma ficção curta, um tanto diferente dos demais romances e contos do Nobel de Literatura de 1998. Todavia, é apenas um tanto diverso, não mais que isto. Os parágrafos são curtos — quando sabemos quão longos costumam ser — mas nem trazem ponto no final de cada um, o que é bem ao gosto de Saramago — a transgressão no modo de pontuar. O que se tem é um livro que foi escrito em 1975 e remete o leitor para o ano de 1993, décadas adiante, portanto. Para o futuro a previsão era a catástrofe: cidades destruídas, habitadas por lobos, subjugadas completamente por animais mecanizados. Os humanos perambulam em malta como se passassem pelas épocas da própria história. Assistimos o momento pungente do nascimento de uma criança, quando já não havia mais nascimentos, assistimos o reaprendizado do amor e assistimos, também, a mais uma tentativa para fazer o mundo de outro jeito, haja vista os três últimos parágrafos na escrita sintética da parábola saramaguiana: “Uma vez mais enfim o mundo o mundo algumas coisas feitas contadas tantas não e sabê-lo/ Uma vez mais o impossível ficar ou a simples memória de ter sido/ Consoante se conclui de nada haver debaixo da sombra que a criança levanta como uma pele esfolada”. Não são versos, mas não há como resistir, e colocá-los como se assim fossem, parece muito natural.
Este é um ritual de passagem, a poesia se despedindo e a prosa querendo ser simplesmente: este é um livro que ainda se quer poesia, e que se quer prosa, e que já é um prenúncio do que estava por chegar então. Inclusive muito da temática futura se acha presente. De mais imediato a memória detecta o Ensaio sobre a cegueira e o Ensaio sobre a lucidez, mas está ali o germe de A jangada de pedra e até de História do cerco de Lisboa, quanto à exclusão social de uns e o favorecimento de outros, ou, em outras palavras que resultam no mesmo, quanto à dominação de poucos sobre muitos.
De resto, é Saramago, sempre Saramago e mais um texto para os aficcionados que, seguramente, encontram além do prazer da leitura, motivo para admiração pelo escritor português.
Gerana Damulakis