domingo, 14 de março de 2010

MADRIGAL MELANCÓLICO

Gerana Damulakis

Um dos poemas mais belos de Manuel Bandeira. Um dos poemas mais intensos, talvez por conta da percepção, triste e bastante melancólica, do quanto é efêmera a beleza, do quanto o que vale mesmo é a vida mesma. Com seu talento ímpar para tocar o coração do leitor, Bandeira sempre seduz, mergulha em nossa essência, impregna a nossa mente de poesia.

MADRIGAL MELANCÓLICO
--------------------Manuel Bandeira


O QUE EU ADORO em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.

A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento.
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.


Bandeira, Manuel, "Madrigal Melancólico", in Poesia Completa e Prosa (Nova Aguilar, 1993).