domingo, 25 de abril de 2010

DO TEMPO PRESENTE



Gerana Damulakis

Há um poema em Sentimento do Mundo, livro de 1940, de Carlos Drummond de Andrade, que joga com os três tempos de uma forma espetacular (ora, claro, trata-se de Drummond). No decorrer dos versos o tempo que aparece primeiramente é aquele que comanda "um mundo caduco". O futuro do mundo é igualmente rejeitado porque para o poeta interessa apenas o presente. O presente é a realidade, o presente é o que interessa, "o presente é tão grande".

Depois de escolher seu tempo, Drummond, que tanto apreciava o poema que se debruça sobre os temas da poesia (há vários exemplos em sua obra), enumera demais afastamentos. E o faz de forma curiosa: descarta ser "o cantor de uma mulher, de uma história". Ele parte da mulher, a matriz, a que gera, e chega à história. Assim também quando canta que não dirá "os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela": ele passa do escuro, rejeita o escuro, vai até a janela, rejeita sua paisagem, digamos, clara. Afasta, então, os entorpecentes ou cartas de suicida. De novo, estados diferentes, daquele que, entorpecendo, faz fugir, chega ao outro, ao que evoca a fuga definitiva, o suicídio. E ainda: não se deixa seduzir pelas promesss das ilhas e seus tesouros, nem por lugares celestias entre serafins. Por fim, ele fica com o tempo como "minha matéria": "o tempo presente, os homens presentes,/ a vida presente". Sempre no presente: Drummond.

MÃOS DADAS

----------------Carlos Drummond de Andrade


Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


Ilustração: As Três Idades da Mulher, de Gustav Klimt.