quarta-feira, 24 de junho de 2009

APENAS ALGUMAS PALAVRAS

Gerana Damulakis

Conversando com Aeronauta, eu disse que é fácil perceber um talento verdadeiro na leitura de um texto; às vezes, basta um detalhe, como uma palavra bem colocada – este exemplo foi dado enquanto eu falava da literatura que ela escreve, claramente produto de uma pessoa que tem talento.

Uma coisa puxa a outra. Em se tratando de uma palavra que chama a atenção, por coincidência li um artigo de Roberto Pompeu de Toledo na Veja, de 17 de junho de 2009, intitulado “Palavras no Muro”. Ele mostra como, na frase de um grafiteiro, “O amor é importante, pombas”, a palavra “pombas”, aposta à oração principal, é o que faz que um pensamento banal adquira vísceras. Mas este não é o exemplo que mais me tocou. A observação de Toledo, sobre a diferença que uma palavra pode fazer, fica mais interessante quando ele cita os dois versos do poema de Jorge Luis Borges, La Luna: “Según se sabe, esta mudable vida/ Puede, entre tantas cosas, ser muy bella”. No caso, são três palavras: “entre tantas cosas”. O “entre tantas coisas” abre “o leque de feições que pode assumir a vida”.

Já se disse que o poema “Instantes” (ou “Momentos”, dependendo da tradução) não é de Jorge Luis Borges. É a mais famosa não-autoria. Goulart Gomes sabe contar essa história, disse que o poema foi atribuído a Nadine Stair, mas também não é dela. Manuel Anastácio também já escreveu sobre isto no blog Da Condição Humana. Seja de quem seja, o poema pertence ao meu baú de preferências. Estive lembrando seus versos em conversa com Ana Bárbara Sousa. E junto tudo para concluir. A diferença que faz uma palavra, ou algumas palavras, faz toda a diferença; sinta: “se eu pudesse viver novamente”, nada a acrescentar? Agora, como está no poema: “Se eu pudesse viver novamente a minha vida”. Cuidado, este verso ficará alojado na sua memória e, naqueles momentos, nos quais chega uma vontade louca de começar tudo de novo, ele aparecerá sempre. Ah, se eu pudesse viver novamente a minha vida...

Se eu pudesse novamente viver a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito,
relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido.

Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvetes e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata
e profundamente cada minuto de sua vida;
claro que tive momentos de alegria.
Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somente
de ter bons momentos.

Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos;
não percam o agora.
Eu era um daqueles que nunca ia
a parte alguma sem um termômetro,
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas,
se voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo.