quinta-feira, 14 de agosto de 2008

EPIFANIA


Ruy Espinheira Filho


Alguns anos não consigo
deixar nas águas do Lete:
os teus catorze morenos
e os meus magros dezessete.
Muitas coisas se afogaram,
e rostos, e pensamentos,
e sonhos, e até paixões
que eram imortais...
Porém,
os meus magros dezessete
e os teus catorze morenos
não entram nem em reflexo
nesse Rio do Esquecimento.

Que magia nos levou
a um espaço e a um momento
para que de nós soubéssemos:
tu, meus magros dezessete;
eu, teus catorze morenos?
Que astúcia do Imponderável
nos abriu aqueles dias
que permanecem tão claros
como quando nos surgiram?
Eu não sei. Mas sei que a vida
nunca mais me foi vazia.

Como não foi fácil, nunca,
por tanto me visitarem
os Arcanjos da Agonia.
Pois, se fui iluminado
por estarmos lado a lado
— os teus catorze morenos
e os meus magros dezessete —,
seria fatal que também
viesse a sentir a alma
em chagas multiplicadas
por setenta vezes sete.

Ah, os teus catorze morenos
e os meus magros dezessete!...
Quanto sofrimento fundo
— mas quanto sonho profundo
e alto! Que belo mundo
foi-me então descortinado,
porquanto me era dado
o privilégio preclaro
de penar de amor no claro,
no escuro, em todas as cores,
em todos os tons da vida,
dia e noite, noite e dia,
varrido ao vento das asas
dos Arcanjos da Agonia
(que eram, por algum prodígio,
os mesmos da Alegria!...).

Ah, que por mim chorem flautas,
pianos, violoncelos,
as cachoeiras, os céus
comovidos dos invernos...
Chorem, chorem, que mereço
essas lágrimas, porque
tudo sofri no mais pleno
de paraísos e infernos.
Que chorem... Mas eu, eu mesmo,
não choro... Como chorar,
se mereci essa dádiva
de um amor doer na vida
por setenta vezes sete
mais que qualquer outra dor,
mais que qualquer outro amor?
Só me cabe agradecer,
pois a vida perderia
(e, o que ainda é mais cruel,
sem nem saber que a perdia...)
se não provasse os enredos,
insônias, febres, venenos
que em meus magros dezessete
acendeu a epifania
dos teus catorze morenos!

Na foto, a capa de um dos livros de Ruy Espinheira Filho, Elegia de Agosto e Outros Poemas (Bertrand Brasil, 2005).

PLENO DE VIDA AGORA



Walt Whitman







Cheio de vida agora, sólido, visível,
Eu, quarenta anos nos oitenta e três anos dos Estados Unidos,
A alguém daqui a um século ou daqui a qualquer número de séculos,
A você que ainda não nasceu, estou procurando você.

Quando você ler isto, eu que era visível, serei invisível,
Agora você que é sólido, visível, percebendo meus poemas, procurando por mim,
Fantasio o quanto você seria feliz se eu pudesse estar com você e fosse seu camarada,
Sinta isto como se eu estivesse com você. (Esteja seguro que eu estou agora com você).





Esta é uma tradução bastante livre, enfatizando apenas o conteúdo, do poema "Full of Life Now", de Walt Whitman. A seguir, leia o poema "Pensa, Whitman", de Nilson Galvão; então, sinta apenas.