
Gerana Damulakis
Quando meu pai gostava de alguma coisa, gostava também de sair distribuindo essa coisa para todos. Certa feita, ficou muito encantado com uma marca de relógio e comprou vários. Temos exemplares do dito relógio: meu irmão, minha cunhada, minha prima, minha mãe, minha filha e eu. Para mim ele deu dois, um prateado, outro dourado e prateado. Quando estamos juntos parece uma confraria.
Meu pai morreu. E todos seguiram usando seus relógios. Esta semana, meus dois relógios pararam e a causa não era a pilha de um, nem a do outro. O de minha filha anda parando. Já são três relógios.
Faz pouco, falei com meu irmão e ele me disse que o relógio de minha cunhada parou, ele levou para mudar a pilha e não era a pilha. Por sinal, o dele já não estava no seu pulso, mas, não sabe dizer a razão, mudou a pilha e colocou o relógio funcionando ao lado da foto de meu pai. Este também parou. São cinco relógios parados.
Meu irmão me pergunta:
-Então, qual o recado?
- Nenhum. O tempo passou.
Ilustração: A Desintegração da Persistência da Memória, de Salvador Dalí.