sábado, 18 de outubro de 2008

SONETO DOS RESTOS


Ildásio Tavares

Cultivem outros requintadas flores,
exóticas, perfumes envolventes:
da corriqueira flor indiferentes,
em doçura de pétalas, nas cores.

Cultivem rubras rosas, seus ardores
ou as que, brancas, são evanescentes;
não as que são comuns, mas diferentes,
que para os olhos sejam esplendores.

Eu hei de cultivar, fiel assim,
flores selvagens que arranquei de mim
e que fizeram da ansiedade o leito.

Não são gardênias, lírios, alecrim,
são restos, vão chegando quase ao fim,
desamparadamente insatisfeitos.


17.X.08
Itapuã 5

Para os que não sabem, acima, local e data em que o poema nasceu e o n° da versão pela qual passou o poema em modificações. Considero como data a do nascimento.
Depois é o crescimento. Somos assim, nascemos num dia que nunca muda e depois temos um currículo. Este soneto, talvez ainda passe por modificações e aí teremos Itapuã 6,7,8 etc.

Tela "O Lago", de Tarsila do Amaral, de 1928. Retirado do site oficial http://www.tarsiladoamaral.com.br/

CONVITE



VENHAM PARTICIPAR DA DISCUSSÃO COM JOÃO HENRIQUE,
De políticas públicas de cultura.


Com quase três milhões de habitantes e um orçamento beirando os três bilhões de reais, a cidade de Salvador carece de uma política pública de inclusão cultural. Pensando nisso, os escritores Ildásio Tavares, Oleone Coelho Fontes e Antonio Lins, a pedido do prefeito João Henrique, prepararam um projeto denominado CULTURA E ARTE PARA TODOS, que será inserido no programa de governo do candidato e apresentado a artistas, intelectuais e produtores de cultura, em coquetel, no próximo dia 22 de Outubro, Quarta-feira, às 19 H, no Café Machiavelli (Pirâmide do Rio Vermelho) Rua João Gomes, 249. Rio Vermelho.

É CERTO?

Gerana Damulakis

Há alguns assuntos miúdos que são capazes de desestabilizar toda uma harmonia anteriormente construída. E há assuntos graúdos que derrubam por completo a teia urdida por uma existência atenta. O equilíbrio leva anos para ser logrado; a desarmonia se desfaz como bolha de sabão. Eu tento entender o mundo e sei que, ao fim e ao cabo, não adianta nem tem serventia porque logo não precisaremos mais entender as coisas e, ainda que estejamos aqui, tampouco serve a compreensão. Eis que se desmancham tão facilmente quaisquer edifícios de segurança, certezas, tranqüilidade.
Este é um discurso típico de quem desaprendeu como se vive — vale perguntar se alguma vez soube ou acertou viver — e sequer vislumbra a mais tênue esperança de certo dia vir a conseguir pelo menos, quando mais não seja a paz, pelo menos a completa tolerância quanto às desventuras, os dissabores, os acasos da vida.
É certo tomar conhecimento dos transtornos mais profundos da alma — não gosto da palavra “alma”, remete mais a fantasmas do que a espírito, estado anímico etc — , dizia eu dos transtornos absurdos da alma, da total inadequação à vida, talvez por conta da carência insuportável, da carência e do vazio, é certo ficar ciente de tudo isto?
Não gosto de filosofia, na verdade, um quebra cabeça dos pensamentos que cultivamos, mas que, apesar de bela quanto às suas quatro faculdades, acaba sempre sem respostas para as três perguntinhas básicas. Não gosto de psicologia, sou pequena para ela, termino chorando. Gosto da literatura, da criação de vidas, porque funciona como se cada autor fosse um Deus, com todo o poder nas mãos. Tentemos, pois. Este texto é pura ficção: existe um "ela" que anda meio perdida porque perdeu o pai, ela afunda, sabe sobre tudo o que sente, mas não consegue resolver e blá-blá-blá. Não alcancei a literatura, só arranjei mais uma pergunta: é certo transformar tudo em literatura, a grande escapatória?

Foto de Ondina (bairro de Salvador, Bahia), onde moro, retirada do Flickr, pertencente a M.Amaral Silva.