sexta-feira, 11 de setembro de 2020

A AUTORIA DA EXPRESSÃO "NAVEGAR É PRECISO, VIVER NÃO É PRECISO"

   Busto de Cneu Pompeu

                                                 Varsóvia


                                                         Cantidiano Lustosa


-Tempus fugit!, dizia Julius Caesar, o imperador romano. Os silos de Roma estão ficando vazios!

    A essa época, Roma vivia sob o Triunvirato* com Caius Julius  Caesar,  Marcus Licínius Crasso e Cneu Pompeu. Este gozava de grande prestigio popular em razão de suas conquistas bélicas, mormente na Sicília. Os membros da nobreza, Césares e Senadores, não poderiam permanecer desabastecidos de pão, farinha, grãos e cereais, pois que, esses produtos constituíam a base alimentar de toda Roma.

    Eis que o divino Caesar ordena a um de seus generais a tomada de providências rápidas, porque Roma não pode passar fome. Era o século I A.C., ano 56. O general Pompeu, genro de Júlio César, é convocado para uma audiência com o divino Caesar que lhe diz textualmente para organizar e comandar navios rumo a alguns de seus domínios em busca de trigo. Seguiriam para a região da costa d’África,  Egito e Gália, importantes centros produtores e fornecedores de Roma. Ao confrontar os marinheiros para a empreitada, estes mostraram-se reticentes e receosos com a longa e tenebrosa viagem, sabendo que enfrentariam águas perigosas, o ataque de piratas ao passarem pela costa do continente africano e ainda pelos cabos de regiões tormentosas banhadas pelas águas do Pacifico. Não havia instrumentos de navegação como bússolas ou astrolábios. Tudo era empírico, na base da experiência dos pilotos da época que simplesmente observavam o posicionamento das estrelas, o humor do mar e dos ventos. Ao ouvir as alegações dos receosos marujos o astuto general Pompeu, numa tentativa de encorajar os tripulantes proferiu : - “Navigare  necesse; vivere non est necesse”.

    Parece que os marinheiros romanos previam o que escreveria Luiz Vaz de Camões muitos anos depois em Os Lusíadas, nas estrofes de 39 a 48, onde menciona a audácia dos portugueses em navegar por aqueles mares, descobrindo o Cabo da Boa Esperança. Um horrendo gigante de tamanho descomunal como um novo Colosso de Rhodes, de postura medonha e má, bradando que tomará contra quem o descobriu, crua vingança. Naves serão destruídas e males de toda sorte serão a eterna vingança, que o mal menor de cada um seja a morte.

   Tudo por Roma e pelo divino imperador. Valeria o sacrifício da vida para saciar as necessidades alimentícias do império onde as elites esbanjavam, nos banquetes, tudo com enorme sacrifício dos súditos? Navegar para prover de suprimentos  seria mais importante do que preservar  a vida? O que pretendeu dizer o general com sua afirmativa? “ Navegar é necessário; viver não é necessário”.

   Pois bem, já no século XIV, o poeta italiano Francesco Petrarca traduziu e modificou a expressão: -Navegar é preciso; viver não é preciso”. Será que em  havendo uma necessidade imperiosa para se conseguir algo, mesmo em nome da pátria, a não ser numa guerra declarada, essa necessidade suplantaria a vida? Certamente que não. Petrarca estava correto na sua afirmação, dando um sentido diferente à célebre frase do General Pompeu, embora o sentido pareça o mesmo na sua tradução. Deduz-se que é preciso, é necessário navegar para obter-se o abastecimento da cidade. Por outro lado, o ato de navegar obedece regras  precisas, quase matemáticas, já que depende de cálculos de longitudes, altitude dos astros e estrelas, previsões meteorológicas e velocidade dos ventos. Viver não é preciso porque a vida é nalguns aspectos imprevisível, não está associada  a  cálculos matemáticos.  Não é exata. Sabemos quando nascemos, mas não temos certeza do quanto viveremos, quando chegará a hora do último suspiro.

    “Navegar é preciso; viver não é preciso”. Slogan da Escola de Sagres em Portugal.

   No meu  modesto  entender, esse é o verdadeiro sentido do pensamento do poeta Petrarca, em contraponto ao que disse o general Pompeu.

   O poeta português, Fernando Pessoa, imaginou a frase dando um sentido de grandeza humanística. Que o sacrifício de sua própria vida poderia ser possível, até mesmo como combustível de uma fogueira, desde que em benefício da humanidade.

 fevereiro 2019

Cantidiano Lustosa é odontólogo. Escreve contos e crônicas.