sábado, 19 de junho de 2010

TRECHOS DE O ANO DA MORTE...


TRECHOS DE O ano da morte de Ricardo Reis (Companhia das Letras, 1997), de José Saramago.

Podia ser verdade, podia ser mentira, é essa a insuficiência das palavras, ou, pelo contrário, a sua condenação por duplicidade sistemática, uma palavra mente, com a mesma palavra se diz a verdade, não somos o que dizemos, somos o crédito que nos dão.

A mais inútil coisa deste mundo é o arrependimento, em geral quem se diz arrependido quer apenas conquistar perdão e esquecimento, no fundo, cada um de nós continua a prezar as suas culpas.

O jogo entre uma memória que puxa e um esquecimento que empurra é jogo inútil, o esquecimento acaba por ganhar sempre.
O mundo esquece tudo, o mundo esquece tanto que nem sequer dá pela falta do que esqueceu.

Não esquecer que todas as cartas de amor são ridículas, isto é o que se escreve quando já a morte vem subindo a escada, quando se torna de súbito claro que verdadeiramente ridículo é não ter recebido nunca uma carta de amor.

A solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz.



Foto de José Saramago: Céu Guarda.