
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
SENSAÇÃO DE LEITURA

quarta-feira, 29 de setembro de 2010
QUINTA-FEIRA NA ALB

segunda-feira, 27 de setembro de 2010
GENIAL TCHEKHOV

quinta-feira, 23 de setembro de 2010
A GRANDE CENA DE AMOR E MORTE

João Guimarães Rosa: o Rosa, o grande Rosa e, na minha opinião, a grande cena de amor e morte da literatura brasileira. Até hoje faço a leitura da cena tomada de emoção, até hoje ainda fico arrepiada com a intensidade da emoção que as linhas abaixo são capazes de transmitir.
Ela era. Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível; (...) Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero.
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Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável: abaixei meus olhos. E a Mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca. Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata... Cabelos que, no só ser, haviam de dar para baixo da cintura... E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo:
— Meu amor!...
terça-feira, 21 de setembro de 2010
INÚTEIS LUAS OBSCENAS

Gerana Damulakis
O Surdo é o grande personagem do romance de Hélio Pólvora, Inúteis Luas Obscenas (Casarão do Verbo, 2010). Uma história apaixonante que reúne paixões e vinganças bajo la misma luna, como diria um poeta espanhol. O Surdo foi parar no sul da Bahia; viúvo, criou os filhos Jonas e Regina, que se transformam após a primeira das várias paixões da narrativa, quando Jonas se enamora de Celina, filha de um potentado.
Em Valise de Cronópio (Perspectiva, 2004), Júlio Cortázar entende que, para sequestrar momentaneamente o leitor, o estilo de um texto deverá conter intensidade e tensão. A intensidade da ação e a tensão da narrativa resultam do “ofício de escritor”, do que se conclui a existência de variantes tanto de intensidade quanto de tensão.
Inúteis Luas Obscenas tem estrutura plurifocal, à base de camadas superpostas: se uma delas, de dimensão filosófica e existencial, cruza todo o livro, outra, subordinada tematicamente, é circunstancial. Sob tal perspectiva a narrativa se enriquece em artifícios de montagem: os dois estratos marcham, em associação de ritmo, representam momentos num só ímpeto do trajeto. As personagens narram e são narradas entre si; e mais: passam pelo crivo crítico do narrador onisciente.
A tensão interna é mantida em patamar alto, enquanto a intensidade admite alternativa de proposta mista — privilégio este do próprio gênero romance. Na medida em que avança a narrativa da primeira camada, e as personagens se desnudam, o outro plano, como reforço harmonioso de alicerces muitas vezes alegóricos, enfoca questões, reflexões, observações propositadamente caricaturais das personagens colhidas na empreitada dos afazeres e perplexidades cotidianos. Tudo isso sob a luneta do narrador lúcido. Cada personagem do núcleo ficcional se exprime de forma a revelar suas intimidades, o que ocorre por conta dos trechos em itálico, iniciadores dos módulos narrativos da primeira e da segunda parte do romance: “Fuga” e “Purgação dos Pecados”. Tais aberturas, espécie de proêmio do coro na tragédia grega, são confissões como que ao pé do ouvido do leitor. A lua tudo banha com um fatalista palor irônico, porque o romantismo do rapto da donzela pelo cavalheiro pobre travestido de príncipe decerto prenuncia desastre.
Celina, assim nomeada com vistas à Selene grega, deusa de todas as luas, precipita a tragédia, pois é uma lua funesta. As personagens guardam representações: o Jonas bíblico engolido pela baleia e cativo de um exíguo desespero em último grau; Regina, a que rege, pois é rainha, daí o voluntarismo, a necessidade de vingança, quando da ocupação de seu espaço por Celina; e, por fim, o Surdo. Será de fato surdo como aparenta, ou a surdez funciona como anteparo? Na surdez ele se dissimula, ela o instiga a fazer perguntas, algumas perigosas. Fascinantes, todas essas personagens nas suas interações, até mesmo os coadjuvantes como Josefino Calango, ensurdecido, emudecido e cego pela pobreza absoluta.
Em romance de personagens, e que não se furta a cenas dramáticas, como é (ou era) característica do gênero, Hélio Pólvora introduz a novidade de dois epílogos, mas, ao contrário das prosas experimentais, as manobras intelectivas orientadas para as suspensões são completadas e desenredadas por desdobramentos imagéticos, como quer o romancista. Ele deseja que o leitor escolha o epílogo, segundo narração de Regina ou segundo narração de Celina, se não preferir, por acaso, um terceiro. As “leituras” se sucedem.
O romance percorre, nos dois extratos de sua complexa estruturação, a trilha por onde seguem o narrador, as personagens e o leitor, mas sempre atiçados por uma atividade dual: ajustar as interfaces, integrá-las. Finda a narrativa, sabemos que é circular: no início a filha do Surdo é informada da morte do pai, pois a história a ser narrada já fora concluída. Esta sensação de circularidade patenteia o papel do segundo estrato na estrutura. Há impressionismo e simbolismo neste romance tão rico. O impressionismo nas paisagens descritas, tal como se olhássemos um quadro de Monet. O simbolismo está no centro dual enaltecido por imagens da lua: é na lua nova que Jonas vai raptar Celina, montado num cavalo ofegante que a acolhe debaixo de sua janela.
A lua também é pintada, tem cores, a lua é vermelha e é azul. Quando há dois plenilúnios em um mês é o que se chama de lua azul, once in a blue moon, uma vez na vida, ou raramente, ou quase nunca. “Minha lua azul foi Celina”. Este pensamento-chave, núcleo da força temática, segura a narrativa rumo o fim circular, irradia elos de significações analógicas e metafóricas: “Estalou na minha vida como um relâmpago. Tomara que dure mais que um relâmpago”, outro pensamento do Surdo.
As reflexões do Surdo, acentuadas na terceira parte do romance, “No Rio-do-Braço”, abrem sendas luzentes, tão lúcidas ao ponto de rastrear a simbologia de uma viagem maior — a viagem existencial, com as suas paixões, vinganças e quimeras.
Diversos recursos técnicos propiciam um romance que pulsa de vida e imaginação, encerra substância robustecida pela veia artística inquestionável de Hélio Pólvora, mescla de escritor-poeta e filósofo. Assim, o romance evoca a Bíblia, invoca a mitologia grega, traça um conto de fadas, cita obras literárias, recheia a narrativa com ditados populares.
Esse Surdo pensador não deixa de ser o homem telúrico enroscado nas teias de uma ação forjada pelos costumes, tradições, mitos e lendas. A referência ao espaço é precisa — a região dos cacauais do sul da Bahia. No entanto, a reflexão é sobre o homem apanhado no seu espaço interior, quando o tumulto interno se avoluma. Hélio escolhe olhar o homem na proposta maior de descortinar dois mundos: o íntimo e o social, com um toque de fatalidade acumpliciada, que a cupidez, a luxúria, as paixões e as purgações ilustram.
O discurso, tantas vezes impressionista na pintura de paisagens, ao fim e ao cabo sobe a escala do romance épico, inflamado nos braseiros da avivada visão crítica que caracteriza o escritor Hélio Pólvora em todos os gêneros por ele cultivados: visão crítica do homem, de suas fraquezas, ânsias e coragens, da realidade e da sociedade que o condicionam e, muito importante, da linguagem que o traduz. Obra de grande escritor, aquele que nos torna mais impressionáveis e argutos.
domingo, 19 de setembro de 2010
A FORÇA DOS SENTIDOS

É espantosa a força dos sentidos sobre os estados da alma. Um sensualista como Ernest Hemingway sabia usar os sentidos para saborear melhor a vida. Só para citar um exemplo: as mulheres sabem o quanto o chocolate traz felicidade. Mas, quem precisa de exemplos, se podemos ler sobre a força dos sentidos no trecho retirado de Paris é uma festa (Bertrand Brasil, 2000)?
Comi as ostras, que possuíam forte gosto de mar e um leve travo metálico que o vinho branco gelado lavava, deixando somente o gosto de mar e a suculenta textura. À medida que ia sorvendo o líquido frio de cada concha e o fazia descer acompanhado do estimulante sabor do vinho, o sentimento do vazio foi me abandonando e me vi de novo feliz, cheio de planos.
Ernest Hemingway in Paris é uma festa, p. 21Ilustração: Au Café, de Jean Béraud (1849-1935).
sábado, 18 de setembro de 2010
"LUXE, CALME ET VOLUPTÉ"

Resultado: a citação é o verso do famoso poema “L’Invitation au voyage”, de Charles Baudelaire. Retirei da estante o meu exemplar de As Flores do Mal (Nova Fronteira, 1985), edição bilíngue, com tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira e li o poema. Outro resultado: a postagem de agora.
O CONVITE À VIAGEM
Charles Baudelaire
Minha doce irmã,
Pensa na manhã
Em que iremos, numa viagem,
Amar a valer,
Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
Os sóis orvalhados
Desses céus nublados
Para mim guardam o encanto
Misterioso e cruel
Desse olhar infiel
Brilhando através do pranto.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Os móveis polidos,
Pelos tempos idos,
Decorariam o ambiente;
As mais raras flores
Misturando odores
A um âmbar fluido e envolvente,
Tetos inauditos,
Cristais infinitos,
Toda uma pompa oriental,
Tudo aí à alma
Falaria em calma
Seu doce idioma natal.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Vê sobre os canais
Dormir junto aos cais
Barcos de humor vagabundo;
É para atender
Teu menor prazer
Que eles vêm do fim do mundo.
— Os sangüíneos poentes
Banham as vertentes,
Os canais, toda a cidade,
E em seu ouro os tece;
O mundo adormece
Na tépida luz que o invade.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Ilustração: Girl with Sailboat, de Edmund Charles Tarbell (1862-1938).
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
A SEGUNDA SOMBRA
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
UM GRANDE POETA

Gerana Damulakis
Carlos Pena Filho (1929-1960) é um grande nome da poesia brasileira do século 20, contudo se pode pensar e indagar: "Como ele é grande, se não é lembrado como são lembrados e louvados Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto (só para citar poucos nomes)?"
Nem todo grande poeta alcança a notoriedade nacional, mas, ainda assim, do ponto de vista da arte literária será sempre um grande poeta.
TESTAMENTO DO HOMEM SENSATO
--------------Carlos Pena Filho
Quando eu morrer, não faças disparates
nem fiques a pensar: “Ele era assim…”
Mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.
Aceita o que te deixo, o quase nada
destas palavras que te digo aqui:
Foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.
Porém, se um dia, só, na tarde em queda,
surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em vôo se arremeda,
deixa-a pousar em teu silêncio, leve
como se apenas fosse imaginada,
como uma luz, mais que distante, breve.
Ilustração: Claude Monet (1840-1926). Femme assise sur un banc (Mulher sentada num banco), de 1874, National Gallery, London, UK.
sábado, 11 de setembro de 2010
A POSSIBILIDADE DE UMA ILHA

Gerana Damulakis
Ilustração: Summer Evening, de Edward Hopper (1882-1967).
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
FERREIRA GULLAR: 80 ANOS

Uma homenagem...
CANTIGA PARA NÃO MORRER
-----------------Ferreira Gullar
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
-----------in Dentro da noite veloz
Ilustração: Hélio Oiticica (1937-1980).
ACONTECE QUE EU SOU BAIANO
terça-feira, 7 de setembro de 2010
UM POETA HEDIONDO EXTRAORDINÁRIO

Gerana Damulakis
Augusto dos Anjos (1884-1914) intitulou o seu livro de poemas Eu, publicado em 1912, talvez porque tivesse total consciência da singularidade de sua poesia.Talvez? Ele era tão consciente que, antecipando estranhamentos, escreveu “Noli me tangere”, quando pinta a si mesmo.
NOLI ME TANGERE
----------Augusto dos Anjos
A exaltação emocional do Gozo,
O Amor, a Glória, a Ciência, a Arte e a Beleza
Servem de combustíveis à ira acesa
Das tempestades do meu ser nervoso!
Eu sou, por consequência, um ser monstruoso!
Em minha arca encefálica indefesa
Choram as forças más da Natureza
Sem possibilidades de repouso!
Agregados anômalos malditos
Despedaçam-se, mordem-se, dão gritos
Nas minhas camas cerebrais funéreas...
Ai! Não toqueis em minhas faces verdes,
Sob pena, homens felizes, de sofrerdes
A sensação de todas as misérias!
Ilustração: Salvador Dalí, Crianças Geopolíticas Assistindo ao Nascimento do Novo Homem.
sábado, 4 de setembro de 2010
FICCIONISTA E POETA
Ao contrário da maioria, conheci primeiramente a prosa de Marcus Vinícius Rodrigues e, por isto, se considero a admiração que tenho por seus contos, sua poesia ficou um tanto de lado. Mas, Marcus é ficcionista e poeta, é poeta e ficcionista. Retirado da revista cultural eletrônica Diversos Afins, de Fabrício Brandão & Leila Andrade:
A CASA DE EROS
-------------Marcus Vinícius Rodrigues
Sei bem do amanhã a bater na porta,
sei bem do sol em nossa janela,
o adeus ofuscante nas frestas.
Sei bem que nada é meu
neste teu corpo que volta
ao dia das ruas lá fora.
E é só por saber tanto
que me arrumo casa arejada
para cada nosso furtivo encontro.
Faço-me quarto que nunca acaba,
faço-me noite morna e serena,
faço-me o tempo que não escapa.
E quando enfim te engolir a cidade,
com suas horas atropeladas,
ainda que abandonado, serei tua casa.
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
BONS MARIDOS FAZEM MULHERES INFELIZES

Gerana Damulakis
Pode ser, ou seguramente é, a observação de uma simples leitora, mas sinto na poesia de D. H. Lawrence (1885-1930) a poesia de um grande romancista. E ele foi uma grande romancista. Sem deixar de citar O Amante de Lady Chatterley, o romance Mulheres Apaixonadas me apaixonou.
Dizer que sua poesia é a poesia de um romancista parece leviano, é apenas uma impressão, só que ela, a poesia, traz nas entrelinhas a possibilidade de uma grande história.
BONS MARIDOS FAZEM MULHERES INFELIZES
---------------D. H. Lawrence
Bons maridos fazem mulheres infelizes
e maus maridos também fazem;
mas a infelicidade de uma mulher de marido bom
é muito mais arrasadora
que a infelicidade de uma mulher de marido ruim.
Tradução de Jorge Wanderley
Ilustração: Suplício por alívio, de Edvard Munch.