
sábado, 27 de fevereiro de 2010
"NENHUM HOMEM É UMA ILHA"

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
CONVERSAS

Não estamos acima da poesia
para justificar nossa imperícia frente ao verso:
à sua frente, somos a fração do imponderável
--------------entre existência e linguagem.
Tua biografia não é a tua obra
e o que dela dizem não é a melhor imagem.
Deixa o teu leitor à vontade,
oferta-lhe a poltrona mais confortável,
um gole de água fresca
e o convide ao delicado mergulho em tuas vivências.
Não perguntes sobre os teus poemas,
observa primeiro se possuem raízes
--------------e se oferecem frutos saudáveis.
Cuida que a palavra,
esse incrível instrumento que tens às mãos,
não seja mais importante que os sentidos,
mas a memória, tua fascinante e intrigante memória,
--------------dela tirarás teus versos.
Preserve-a ilesa, perene, infinda,
na imutável companhia das coisas que te são caras.
Na memória reside a chave que decifra
a inadvertida presença da poesia nas coisas.
Sua morada é escura
--------e espera que acendas as lâmpadas,
---------------após, todas as coisas se revelarão.
Ícaro - Henri Matisse, c. 1943 Image from Metropolitan Museum of Art
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
SABEDORIA MILENAR JAPONESA

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
A NOITE ESTRELADA

Gerana Damulakis
Imagino que ocorra o mesmo com os poetas e com os amantes da poesia: basta olhar uma noite estrelada e os versos de Bilac chegam naturalmente. Tantas vezes me atrapalho com alguma palavra, mas não deixo de lembrar este poema que atravessa os anos, dito nas noites estreladas. Talvez seja o exemplo mais conhecido da poesia de Olavo Bilac (1868-1918), talvez nem seja seu poema maior, mas é aquele que traz um verso, ou alguns versos, memoráveis, amiúde citados, quando olhamos as estrelas.
VIA LÁCTEA
-------------Olavo Bilac
-------XIII
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora! "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".
Ilustração:
A Noite Estrelada
Vincent van Gogh, 1889
óleo em tela
73,7 × 92,1 cm
Museu de Arte Moderna de Nova York
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
MARIA SAMPAIO E PALOMA AMADO

CONTOS DE VILARINHO

domingo, 21 de fevereiro de 2010
A MALETA DO MEU PAI

Mas a minha história tem uma simetria que naquele dia me lembrou imediatamente outra coisa, e me provocou um sentimento de culpa ainda mais profundo. Vinte e três anos antes do dia em que meu pai me deixou sua maleta, e quatro anos depois que decidi, aos 23 anos, me tornar romancista e, abandonando todo o resto, me recolhi, acabei o meu primeiro romance, Cevdet Bey e Filhos; com as mãos trêmulas, entreguei ao meu pai os originais datilografados do livro ainda inédito, para que ele pudesse lê-lo e me dizer o que achava. E não só porque eu confiasse no seu gosto e no seu intelcto: a sua opinião era muito importante para mim porque ele, diferentemente da minha mãe, nunca se opusera ao meu desejo de me tornar escritor. Àquela altura, meu pai não estava conosco, estava muito distante. Esperei pacientemente pela sua volta. Quando ele chegou, duas semanas mais tarde, corri para abrir a porta. Ele não disse nada, mas na hora me abraçou de um modo que me fez entender que tinha gostado muito. Por algum tempo, mergulhamos no tipo de silêncio desconcertado que tantas vezes acompanha momentos de grande emoção. E então, depois que se acalmou e começou a falar, meu pai recorreu a uma linguagem rebuscada e exagerada para manifestar a sua confiança em mim e no meu primeiro romance: disse que um dia eu ainda iria ganhar o prêmio que estou aqui para receber com tanta felicidade.
Orhan Pamuk in A maleta do meu pai - discurso da cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Literatura de 2006 (Companhia das Letras, 2007), tradução Sérgio Flaksman.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
UMA NOITE E UMA CARTA DE AMOR

Cidade do México, 12 de setembro de 1939.
Minha noite é como um grande coração batendo. São três e meia da madrugada. Minha noite é sem lua. Minha noite tem olhos grandes que olham fixamente uma luz cinzenta filtrar-se pelas janelas. Minha noite chora e o travesseiro fica úmido e frio. Minha noite é longa, muito longa, e parece estender-se a um fim incerto. Minha noite me precipita na ausência sua.
(...)
São quatro e meia da madrugada.
Minha noite me esgota. Ela sabe muito bem que você me faz falta e toda a escuridão não basta para esconder essa evidência. Essa evidência brilha como uma lâmina no escuro. Minha noite quer ter asas para voar até onde você está, envolvê-lo no seu sono e trazê-lo até onde estou. (...)
Minha noite pergunta a si mesma se meu dia não se parece com minha noite. (...)
Minha noite quer que você repouse no meu ombro e que eu repouse no seu. Minha noite quer ser voyeur do seu gozo e do meu, ver você e me ver estremecer de prazer. Minha noite quer ver nossos olhares e ter nossos olhares cheios de desejo. Minha noite é longa, muito longa.(...)
Você me faz tanta falta, tanta. E suas palavras. E sua cor.
Logo o dia vai raiar.
De Frida Kahlo a Diego Rivera em Cartas do Coração - Uma antologia do amor (Rocco, 1999), organização de Elisabeth Orsini.
Ilustração: Diego y yo, de Frida Kahlo, 1949.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
UMA BELA CANÇÃO
A GRIPE "REBOLATION"
A música mais tocada nas rádios, nas casas, nos carros e nos trios elétricos de Salvador é uma obra de arte chamada Rebolation (baianamente cantada como o “reboleichon”), que é de um grupo de pagode de nome bastante sugestivo - Parangolé.
E não é só na Bahia que o Rebolation do Parangolé está bombando, é em todo o Brasil. Essa pérola musical, obra-prima da novíssima poesia baiana já soma nada menos que 1,5 milhão de buscas no Google - Google que hoje é a palavra da salvação.
Para você ver que o rebolation não é pouca coisa, a imagem dessa dancinha no Youtube já foi acessada 586 mil vezes. Já a procura pela letra no Google é um pouco menor, apenas 81 mil pessoas quiseram conhecê-la.
[Se você acha que é mentira, entre no Google, escreva o termo “rebolation” e veja lá; vão aparecer números de acessos à música, à letra, ao dowload, aos vídeos, ao passa a passo da dança etc, veja lá.]
Alguém disse (parece que foi Nizan Guanaes, sempre ele), que a música baiana não é feita para a cabeça, mas sim para o quadril; não é para pensar, é para dançar. Ou seja, é para você esquecer a letra. E dançar, quebrar, requebrar. Rebolar.
Porque é de lei: todo ano tem que ter uma dança nova na Bahia. Já tivemos o fricote e o deboche, quando Luiz Caldas cantava “Olha a nega do cabelo duro, que não gosta de pentear, quando passa na Baixo do Tubo...”
Depois veio Sarajane cantando “Tá ficando apertadinha, meu amor, abra a rodinha, por favor, abra a rodinha”. Aí surgiu outro sucesso que dizia “Eu vou enfiar uva no céu da sua boca, e aí chupa toda, chupa toda, chupa toda”.
Outra obra-prima, um verdadeiro clássico da música e da dança na Bahia, dizia assim: “Desce mais, desce devagarinho, desce mais, desce mais um pouquinho... E vai ralando na boquinha da garrafa”.
Depois vieram a dança do tchan, o requebra, a volta no gueto, o arrocha, a dança da tartaruga, a dança da manivela, o vixe, mainha, o berimbau eletrizado, o levantou poeira, até chegar o “todo enfiado”, que é a dança do fio dental.
Voltando ao sucesso do Parangolé, ela só tem praticamente duas frases. Uma diz “O Rebolation é bom, bom, bom”, e repete várias vezes. A outra é “O Rebolation, tion, tion/ O Rebolation, tion, tion”, ou seja, “o reboleichon-chon, o reboleichon-chon”.
Enquanto o Ministério da Saúde só pede para o folião usar camisinha, a gripe do Rebolation derruba o Brasil. Matéria publicada neste domingo de carnaval (15/02), no Portal Terra, informa que até garçons de hotéis no Rio de Janeiro estão cantarolando esse hit do axé.
Acredite se quiser, o Rebolation fez a cabeça até do governador de São Paulo, o presidenciável José Serra, e da sua oponente, a ministra Dilma Rousseff. Embora não saibam dançar, eles já botaram o bloco na rua, e já não perdem nem aniversário de boneca, quanto mais carnaval.
Dilma e Serra estavam em camarotes vizinhos em Salvador. Ao passar pela frente dos camarotes, a cantora Ivete Sangalo brincou com os dois presidenciáveis. Do alto do seu trio, ela falou para Serra: “Tá com olhinhos de sono... Toma aí um energético”.
Mais adiante, parodiou uma música para dar uma bajuladinha na ministra. A música é Dalila e um dos versos diz “Vai buscar Dalila, vai buscar Dalila ligeiro”. Pois não é que Ivete cantou “Vai buscar Dilminha/ Vai buscar Dilminha ligeiro”?
Pois é, Serra e Dilma já começaram a rebolar atrás de voto. No São João, certamente estarão no rebolation junino em Caruaru e Campina Grande, comendo buchada de bode, montando em jegue e pegando criança pobre no colo.
Eles deram sorte por pegarem a onda do rebolation. Mas já imaginou se eles fossem candidatos no ano da “boquinha da garrafa”? E se o ano fosse o da dança da rodinha? Já pensou a dança do “todo enfiado”, hein? Como diz o outro, “quéta, minino”.
Em ano de eleição, Serra e Dilma deram as caras no carnaval da Bahia, terra de Jorge Amado e sua Teresa Batista, a rainha do rebolado. E até outubro o Brasil vai ser esse rebolation do Parangolé. O povo que dance. Ou que rebole. “O reboleichon-chon, o reboleichon-chon, o reboleichon-chon”.
Marcelo Torres, jornalista, cronista, baiano, mora em Brasília; email http://br.mc523.mail.yahoo.com/mc/compose?to=marcelocronista@gmail.com e blog http://marcelotorres.zip.net/; caso repasse, não altere o texto e mantenha os dados do autor.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
DEPOIS DA CHUVA
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
UMA VIAGEM MUITO LONGA

Aramis Ribeiro Costa
--Era uma viagem de ônibus.
--Ao lado, um senhor viajava após ter perdido toda a noite no trabalho. Gostaria de relaxar um pouco, gostaria de fechar um pouco os olhos mesmo no sacudir do ônibus. Gostaria de um pouco de silêncio. E gostaria de mandar o rapaz parar a música, ou mesmo de atirar aquele pequeno e incomodativo aparelho de som pela janela do ônibus.
--Para o senhor cansado a viagem foi muito longa.
Ilustração: Salvador Dalí, Soft Watch at the Moment of First Explosion (1954)
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
O POEMA SEGUNDO OS POETAS

Gerana Damulakis
O metapoema me fascinou muito no passado, principalmente pelo uso de metáforas para discorrer sobre o fazer poético. Foi com a poesia de João Cabral de Melo Neto que comecei a atentar para os metapoemas dos outros autores.
Já escrevi aqui, em várias oportunidades (sou recorrente), sobre a lição encerrada no poema “Art Poétique”, de Paul Verlaine, com o deslumbrante verso (ele próprio bastante musical): “De La musique avant toute chose”, cuja tradução de Augusto de Campos é: “Antes de tudo, a música”. É um poema que ensina e é um poema que encanta. Sua última estrofe diz:
Que teu verso seja a aventura
Esparsa ao árdego ar da manhã
Que enchem de aroma o timo e a hortelã...
E todo o resto é literatura.
A razão de uma introdução que se iniciou com Cabral e foi para Verlaine era, na verdade, ficar centrada no fazer poético. Drummond tem um poema que enumera todos os temas com os quais não se deve fazer poesia e, ironicamente, o próprio poeta utilizou tais temas e fez poesia; não, ele fez grande poesia. Entre tantos poemas sobre poemas, sobre versos, há um outro, também de Carlos Drummond de Andrade, que não me deixa neste momento; trata-se de “Poesia”:
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Cheguei ao ponto. De Drummond para Leminski, ambos os poetas fizeram uma legião de seguidores, estas linhas vão para Ignacio Vázquez, do blog Lisarda Baila Cumbia (http://lisarda.blogspot.com/), a quem prometi uma postagem com poema de Paulo Leminski:
-----um bom poema
leva anos
-----cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
-----seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
-----sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
-----três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
-----uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
in La vie en close (Brasiliense, 1992).
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
EM CERTOS INSTANTES

Três anos depois, ainda segundo o ensaísta supracitado, foi publicada uma nova tradução dos versos, no Queen’s Quarterly: “Moments”, traduzido por Alastair Reed, já experimentado na arte de traduzir o grande escritor argentino.
Em 1999, o crítico Francisco Peregil (sigo com Manguel) revelou ao jornal El País, de Madrid: “O verdadeiro autor do apócrifo é uma desconhecida poeta norte-americana chamada Nadine Stair, que o publicou em 1978, oito anos antes da morte de Borges em Genebra, aos 86 anos”.
O texto continuou a aparecer e ganhou o mundo. Prosa poética melosa? Talvez, assim se parece em certos instantes. Mas o primeiro verso é... um sonho.
INSTANTES
----------Nadine Stair
Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade,
bem poucas pessoas levariam a sério.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria
mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria
mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas
reais e menos imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveram sensata e produtivamente
cada minuto da sua vida; claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar atrás, trataria de ter
somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feito a vida: só de momentos;
não perca o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro,
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um paraquedas.
Se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo
da primavera a continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.
Ilustração: I'd pick more daisies...(after Nadine Stair), 2006. Oil and Acrylic on Canvas 90cm x 120cm. Caroline Evans Paintings.www.carolineevanspaintings.com/.../1219347.jpg
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
A BELEZA E A VERDADE

Gerana Damulakis
Nunca lhe apareci de branco (Rocco, 1998), de Judith Farr, foi um livro que me trouxe imenso prazer de leitura. Lembrei-me dele porque estava tentando recordar certos versos de Emily Dickinson, mais especificamente aqueles que travam uma conversa entre a beleza e a verdade. Estive debatendo sobre a beleza, eis o ponto de partida. A beleza, essa pseudo-virtude, efêmera e, primeiramente, relativa. Tão relativa quanto a verdade.
Voltando ao livro da poeta Judith Farr, trata-se de uma recriação de algumas das cartas que Emily Dickinson supostamente teria escrito a suas amigas íntimas, além de cartas recebidas de amigos e da família. Saímos da leitura com a sensação de termos conhecido um tanto de uma das maiores poetas americanas do século XIX.
Morri pela beleza e mal estava
Ao túmulo ajustado
Alguém veio habitar a sepultura ao lado.
(Defendera a verdade.)
Baixinho perguntou: “Por que morreste?”
“Pela beleza”, respondi.
“E eu pela verdade. São ambas uma só.
Somos irmãos”, me disse.
E assim como parentes que à noite se encontram
Entre os jazigos conversamos.
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E cobriu nossos nomes.
Tradução de Idelma Ribeiro de Faria para Poemas - Emily Dickinson (Editora Hucitec, 1991).
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
MINICONTO
sábado, 6 de fevereiro de 2010
A GAVETA DO POETA

Gerana Damulakis
Sidney Wanderley tem estrada, vários títulos publicados, de Quisera ter a beleza que (Escrituras, 1997), De Riacho do Meio a Viçosa de Alagoas (Escrituras, 1998), passando por Na pele do lado, Nesta calçada, Três vozes nordestinas, Entropia. No meio do caminho, pois foi no volume de poemas intitulado Desde Sempre (Escrituras, 2000), tive a honra de figurar nas “orelhas”, com um parágrafo, onde acentuei a autocrítica do poeta. Realmente ele, este poeta, é assim. No seu mais recente livro, Chuva e não (Editora Catavento, 2009),do qual dei notícia aqui no Leitora, ele escreveu: “Este livro reúne o que o autor suporta ler de quanto produziu em trinta e três anos de exercício literário”. Geralmente, o autor assim tão rigoroso com sua poesia, nos oferece sempre o melhor do melhor. Mas, curiosa como sou, fico imaginando quantos poemas, que poderiam nos encantar, estão todavia guardados. Daí, instigo Sidney, peço poemas, procuro saber o que anda escrevendo. E me dou bem. Ele me enviou por e-mail o poema abaixo.
Admiro bastante seus traços: a ironia fina como uma navalha, que passa por nossa pele durante a leitura e gera um arrepio, assim como a naturalidade, com a qual ele coloca em versos temas tão fortes, como a morte na cadência do agora e, outra vez, o humor que, ao fim e ao cabo, chega lá na já apontada ironia. Obrigada, Sidney, por abrir a gaveta.
O IMPREVIDENTE
-----------Sidney Wanderley
Na tarde em que morreu
não parecia inconformado.
Pensava que, como o outro,
raiado o terceiro dia,
quando muito, uma semana,
e ei-lo ressuscitado.
Mas o tempo foi passando
e logo se acostumou
à recente condição
de morto definitivo.
Lamentava tão somente
o esquecimento do que
duplamente lhe seria
de extrema serventia:
travesseiro e cobertor,
cobertor e travesseiro
– pois a cama ali é dura,
pois a cama ali é fria,
e no silêncio enervante
daquele quarto sombrio,
não há corpo que se atreva
a lhe fazer companhia.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
SALVADOR: PLENA DE VERÃO

Gerana Damulakis
Passo olhando o mar, o azul pleno de verão, essa minha cidade exuberante de cores, e penso que realmente é uma pena ter que ir embora. Que pelo menos seja com a idade e a lucidez (sem lucidez, não adianta) da avó de Saramago. É pedir muito, mas assim somos todos nós: cheios de esperanças. Sei que é um tanto mórbido admirar a beleza da vida e pensar imediatamente no fim. Sempre fui desse jeito, só que a bela e verdadeira frase não foi dita por mim. Não tem importância, admiro quem soube dizê-la.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
GLÁUCIA LEMOS NO TCA

No foyer do TCA.
Entrada franca.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
UM POEMA BEM AMADO

Na segunda estrofe, "amar" se avizinha da palavra "mar" e, seguindo, aparece o "sal". O sal da vida é o amor. O amor é o tempero da vida, dá-lhe gosto e ao mesmo tempo traz-lhe algo de acre, agro, ácido. Já na terceira estrofe está o deserto, inverso do mar, só que continuamos amando, mesmo tendo feito o resumo emocional, abarcado o mar e o deserto, sentido a brisa marinha e o chão de ferro: "este o nosso destino: amor sem conta".
AMAR
Que pode uma criatura senão,
"NASCIDA PARA O PECADO"

Teus olhos me olham numa tortura
Tua mão contém a minha
Nada me dizes,
Teu olhar abre os braços,
Tem teu mórbido olhar
in Sublimação, 1928
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
MORRE TOMÁS ELOY MARTÍNEZ

No dia 31 de janeiro de 2010 morreu o escritor argentino Tomás Eloy Martínez, nascido em 1934. Sua obra está traduzida para mais de trinta idiomas. Pode ser lembrado principalmente por livros como Santa Evita e O cantor de tango.
Sua característica maior foi combinar ficção e realidade. Recebeu importantes prêmios, tais como o internacional Alfaguara de Romance, em 2002, por O voo da rainha, e o prêmio Ortega y Gasset de Jornalismo, em 2009.
A homenagem que uma leitora de Martínez pode fazer é lembrar momentos prazerosos que sua literatura proporcionou. Lemos, a escritora Ângela Vilma e eu, A mão do amo (Companhia das Letras, 2008), romance diferente, fora da sua linha supracitada. Cheguei a escrever uma pequena resenha aqui no Leitora. Como eu vinha "dizendo", Ângela e eu lemos o romance e trocamos impressões sobre o personagem Carmona. Ela me disse que viajou com ele durante a narração de uma insólita viagem de trem. Para mim, inesquecível foi a imagem daquela casa que, após a morte da mãe de Carmona, ficou suja e cheia de gatos, emblemática da transformação na vida do personagem, então solitário, esquisito e totalmente perdido com a falta do poder exercido pela mãe.
Purgatório (Companhia das Letras, 2009) é um romance de amor, mas traz a marca de Martínez, que não deixava a crítica política. Um casal foi separado no auge da ditadura argentina. O pai de Emilia, pessoa importante junto aos grandes das Forças Armadas, tratou de fazer sumir o genro. Emilia jamais acreditou que Simón morreu e começou a seguir pistas falsas, indo morar no Rio, depois em Caracas e, por fim, em Nova Jersey, quando o reencontrou. Só que, trinta anos se passaram, ela ficou velha e Simón permaneceu com a mesma aparência como na época em que desapareceu. Eles se reencontraram com muito amor. Emilia podia, enfim, viver tudo o que guardou para ele. O desfecho? Não conto, mas asseguro que vale a pena, não se trata de um Dorian Gray, a razão do não envelhecimento de Simón é outra.
Deixo um pequeno trecho retirado de uma daquelas páginas com pontinhas dobradas do meu volume de Purgatório.
Aquilo que não chega a ser nunca sabe que poderia ter sido. Os romances são escritos para isso: para compensar no mundo real a ausência perpétua daquilo que nunca existiu.
Foto by Gonzalo Martinez
VIAGENS COM MURAKAMI
