
Aramis Ribeiro Costa
De repente, tudo lhe pareceu negro e sem saída. A amargura caía pesada sobre sua alma, e eram toneladas de amargura, que não podiam ser removidas com a simples vontade. Então, olhou o mar à distância, do alto do seu apartamento, no décimo primeiro andar, e compreendeu que precisava navegar sem destino por aquelas águas que se perdiam no horizonte, enfrentar as ondas, as correntes marítimas, o vento, quem sabe a tempestade, a noite, o frio, a fome. Compreendeu que precisava navegar sem saber se voltava, sem saber se encontrava outro porto, deixando simplesmente que o mar o levasse por mares insuspeitados, ou que o tragasse no mais profundo das suas águas.
Sim, tudo era negro e tudo era sem saída, como são todas as crises enquanto não passam, como são todas as amarguras enquanto não se desfazem, como são todas as inseguranças que envenenam a alma enquanto as soluções não chegam. Aquele mar azul que avistava do alto e à distância parecia o horizonte buscado, ou então o fim abrupto e trágico da circunstância intensamente sofrida. Precisava navegar com as velas abertas para o vento mais forte, deixar que a quilha da embarcação rompesse as correntes contrárias, as ondas, o tumulto das águas, como alguém que tenta caminhar em sentido contrário à multidão, acotovelando-se, sofrendo empurrões, ouvindo protestos, mas persistindo na caminhada.
De súbito, do alto do seu apartamento, percebeu, na faixa azul que ia de uma ponta a outra na extensão que a sua vista alcançava, um veleiro rompendo vagarosamente as águas. Naquela distância parecia um barco de proporções reduzidas, mas era difícil dizer. A proa erguia-se e abaixava-se, para logo erguer-se e tornar a abaixar-se, como se fosse ao fundo e voltasse, como se naufragasse e submergisse, desaparecendo por instantes e logo voltando a compor a paisagem. Não havia outro barco em toda a imensa faixa azul e líquida que era vista do alto e à distância, aquela faixa azul que emendava, na linha curva do horizonte, com a amplidão de azul mais suave e sem ondas do espaço infinito, azul sobre azul, tom sobre tom.
Então, ele entrou naquele barco, postou-se diante da roda do leme, segurou-a com mão firme, assumiu o comando da embarcação solitária e perdida no mar imenso. Diante dos seus olhos fixos as ondas agigantaram-se, enfureceram-se, bateram com violência no casco, como se quisessem rompê-lo, atiçaram água e sal no estreito convés, seus pés de marinheiro encharcaram-se, foram sete pragas, uma cada dia. A proa erguia-se e abaixava-se, para logo erguer-se e tornar a abaixar-se, agora em movimentos insuportavelmente bruscos, que pareciam irreversíveis para, logo em seguida, pela continuidade, parecerem intermináveis. Na popa, a esteira alvíssima de espumas.
Daquele barco ele via-se à distância, lá no alto do seu apartamento no décimo primeiro andar, e com ele toda a sua imensa amargura, sua circunstância negra e sem saída, sua prisão de ansiedade. Segurando o leme com firmeza, as velas pandas, côncavas ao sopro do vento mais forte, ele apenas quis vencer aquele espaço imenso e difícil, seguir para compor outra paisagem mais adiante, renovada, sem correntes contrárias, sem ondas contrárias, sem ventos contrários, uma paisagem onde não precisasse submergir para depois reaparecer. Compreendeu que o final dos tempos, sempre anunciado e jamais acontecido, ocorre a cada momento para cada um que mergulha irreversivelmente nas águas fundas e escuras. Compreendeu que as águas fundas e escuras estavam permanentemente a um passo do convés, sempre a um passo, à frente, aos lados, à retaguarda do pequeno barco, bastando apenas o salto para o mergulho. Compreendeu que o desespero é uma tempestade que é preciso vencer.
Naqueles breves instantes, no comando do barco, enfrentou a tempestade, a noite, o frio, a fome, desviou-se de um inesperado e perigoso rochedo, mergulhou nas águas profundas e escuras de onde nem sempre se volta, mas subiu ao leme no terceiro dia porque era preciso levar aquele barco, singrar aquele mar desconhecido e revolto, mas que de repente se abria em azul. Finalmente, venceu o espaço.
Do ângulo da sua janela, no alto do décimo primeiro andar, já não podia ver a pequena embarcação que seguia vagarosamente, singrando e rompendo as águas, as correntes, as ondas contrárias, com suas velas brancas enfunadas, com sua esteira alvíssima de espumas após. Então, fechou a janela e foi compor outra paisagem.
Nota: do livro A moça acompanhada, pequenos contos e crônicas.