quarta-feira, 24 de setembro de 2008

CASUAL


David Nobrega


A noite é uma criança, diz o velho ditado.
Tendo convivido com esta companheira escura e calada por tantas e tantas vezes durantes tantos e tantos anos posso lhes afirmar: se a noite fosse uma criança, seria pura. E não o é.
Dê um passeio por ruas escusas e de pouco movimento, por exemplo. Seus passos podem calmamente ressoar pelas calçadas, enquanto se ouve aqui nesta casa, um lamento, naquela outra, um gemido. Vozes que pensam ser abafadas por não poderem ser vistas.
Pode-se encontrar com uma das várias gangues que enxameiam a pestilenta madrugada, violentas e despreparadas para a vida.
A presença constante de facilidades para prazeres mundanos.
A noite é, pois então, mais um adolescente descobrindo novidades; assim como todos que atravessam escuras horas a procura de verdades que a luz do dia esconde.
Pois eis-me aqui então, empreendendo uma nova jornada, a procura de algo ou alguém que me entretenha até mais um novo dia. Caminho só; caçada em bando é algo para lobos e não me considero parte da alcatéia. Aqui por esta movimentada avenida, tantos outros como eu buscam o mesmo prazer.
Entro em um de seus infernos terrenos, para uma boa dose de conhaque. Está frio e meus pés sentem a necessidade de um calor que par de meias algum pode fornecer. Sento ao balcão, peço meu trago e ouço, ao fundo, acordes de algum novo sucesso, copiado de outras noites já falecidas de minha vida.
Um conselho: quando for a um bar, sente sempre ao balcão. Não existe lugar melhor para se ver e ser visto. Mesas são para casais que se formaram durante os dias. Amantes noturnos exibem-se em balcões de bares...
"Faz tempo que não lhe vejo por aqui" - diz ela que acaba de chegar.
"Sim. Estava em viagem. Voltei há pouco. Senta, bebe comigo."
Whisky. Mulher que bebe whisky é sensual. Como aquelas que bebem cerveja são alegres. As dos coquetéis não gosto: muito comportadas. Refrigerantes então, me põe para correr.
"Então, trabalhando muito?"- me pergunta, enquanto meço cada centímetro daquele busto semi-aparente por entre cortes bem ajustados de tecido leve.
"Sim e não. Tive trabalho fora da cidade e aproveitei para descansar uns dias longe do frio. E você, não estava por acaso de namoro com F...?"
Diz que não!, penso e rezo.
"Foi algo passageiro. Nada demais..." - me responde com a boca úmida pela bebida...os lábios
roçando a borda do copo. Ela sabe que sempre tive lá minha queda por suas curvas. Não teria como não perceber meus olhares quando passa por mim, em outros encontros pela noite.
"Tem planos para logo mais? Digo, a noite está apenas começando."
Gaguejei? Com certeza.
Ela encosta, roça, suas maravilhosas coxas nas minhas e me encara, com certa estranheza no olhar. Com certeza aquele não era o primeiro whisky.
"Me diz o que faremos. Estou em suas mãos. A não ser que você já tenha algo melhor para fazer..."
Gargalho por dentro, mas sobriamente, fazendo pose respondo:
"Não. Nada melhor nem pior. A noite é sua."
Saímos. O vento começou a soprar mais forte e ela se aconchega a mim. No táxi, o primeiro beijo. Mãos que correm tateando umidades.
"Mais uma bebida?", pergunto educadamente ao chegarmos em casa. Posso estar com minhas vontades à flor da pele, mas deve-se ser polido, sempre. Ela recusa e me abraça. Me beija. Encosta seu corpo em minha dureza.
Bocas coladas, peças de roupas arrancadas, tropeços em direção a cama. A simples visão daquele corpo perfeito e despido me torna selvagem. Beijo esse corpo todo. Lambo. Penetro. Variações não programadas. Gozo.
Ritual: minutos abraçados, respirações apressadas. Banheiro. Cigarro.
Nada de "foi bom para você?". Sabemos e sentimos que foi. Hipocrisia não cabe em adolescentes noites.
"Te ligo mais tarde", digo, mentindo.
"Não, não liga. Deixe que seja uma nova surpresa, em outro bar."
O sol já está despontando quando finalmente parte.
À luz do dia, já não parece a mesma pessoa, com sua maquiagem borrada.



David Nobrega está preparando um livro de contos. Este é um exemplo dos que lá estão. Foto de Renata e Guilherme, retirada do Flickr.

5 comentários:

Anônimo disse...

Sinal dos tempos, gostei bastante.

Anônimo disse...

Quero ler esse livro. Gosto da espontaneidade da narrativa, o clima acontece perfeito e gosto disso. Aplausos.

Gerana Damulakis disse...

E David é um talento evidente. Esperemos o livro com ansiedade para aplaudirmos.

Letícia Losekann Coelho disse...

Gosto desse conto do David tb! :) Muito bem escrito!
Beijos

@David_Nobrega disse...

Obrigado Gerana, por mais esta deixa em teu blog.
Assim que estiver pronto e corrigido, te mando para mais dicas.

inté