quinta-feira, 28 de agosto de 2008

CAMILA

Fred Matos


o que há de ser é chuva
é água lambendo a terra
é lama vedando caminhos
é limo na pedra molhada

na vidraça embaçada
Camila é uma sombra
não sonha com olhos de ver

cansada de tudo já não tem frio
a última lágrima faz muito secou
ainda na boca o travo do vinho

Camila não pensa o passado
azulcíssimo o olhar perdido vazio
não sabe das mãos
inventando outros caminhos

tecendo um invisível fio
de uma meada não coisa
tornada aqui em peixe
em pássaros que não voam

flores eternamente viçosas
mares impossíveis céus
inolvidáveis auroras

mãos ágeis automáticas
mãos crispadas máquinas
mãos autônomas exatas
tecendo sóis olhos azuis

tecendo escarlate relva
imaculada vidraça tecendo
onde Camila criança sorri

quando a chuva cessar
quando os grãos germinarem
quando brotarem gerânios
nas floreiras da sua janela
trarei pão e promessas
trarei lume e alento
trarei os sonhos que roubei
as mãos máquinas cansadas
serão mãos para carinhos
enquanto durem os suprimentos
enquanto o inverno não venha

enquanto nossos exaustos corpos
não se amoldarem à terra
e aos astros nossos olhos.



Fred Matos é autor de Melhor que a encomenda (FUNCEB, 2006). Foto de ***LEE***, retirada do Flickr.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito excitante, ritmo envolvente e temática levantando um intenso desejo.

Fred Matos disse...

Obrigado, Pereira.
Tenho especial carinho por este poema.
Abração