quinta-feira, 23 de julho de 2009

MEU BISAVÔ ERA PADRE!


Gerana Damulakis

Calma! É verdade, mas a frase assim, fora do contexto, fica por conta da jornalista frustrada que há em mim, em busca de títulos que seduzam o leitor. Amo esta foto, causadora do título da postagem. Meu bisavô Gerácimos (mesmo nome de meu pai) era padre católico ortodoxo grego e estes padres podem casar. O rapaz ao lado dele era meu avô Jorge (Georgios, Yorgos, mesmo nome de meu irmão). Também na foto: minha bisavó Sophia (sabedoria, em grego) e a irmã de meu avô, Fotini.
Quantos Gerácimos e Jorge! Lembram do filme Casamento Grego, quando o pai da moça vai apresentar os parentes para os futuros sogros dela, todos os homens respondem na mesma hora, pois todos se chamam Niko? Assim também é na minha família. Há quem diga que estes gregos não têm muita imaginação para nomes. E eu respondo que, no entanto, escreveram tudo, tudo está nas tragédias e comédias gregas.
A razão da foto aqui no blog: na Academia de Letras da Bahia, conversando com o acadêmico Dom Emanuel d'Able do Amaral, arquiabade do Mosteiro de São Bento, não consegui tirar os olhos da cruz que ele traz no peito, dada a beleza, e ele me contou sobre a trama da cruz, seu desenho celta. Por conta disso, lembrei-me da cruz de uns 30 centímetros que ficava na cabeceira de meu avô, era uma cruz ortodoxa grega, também belíssima. Apesar de ser a depositária das coisas da família (ninguém imagina quanta coisa eu tenho de tanta gente, dos Costa - lado materno, e dos Damulakis - lado paterno), a cruz, que tanto apreciei na infância e na adolescência, ficou com a irmã de meu pai. Não consegui tirar isso da cabeça. Já procurei uma cruz semelhante no mercadolivre, não encontrei. Sinto-me como uma criança mimada: “Quero uma cruz ortodoxa como a de meu avô, como a da religião da qual meu bisavô foi um padre!”.
No fundo, sei que o importante é ter a cruz na minha lembrança e no meu coração. Contudo, gosto de símbolos e, na verdade, estou com saudades de tudo que a visão daquela cruz me trazia.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

LITERATURA E CHORO

Gerana Damulakis

É incrível constatar como as pessoas que se manifestaram nos comentários sobre A Metamorfose, tiveram reação impactante. Que força tem a danada da literatura.
E hoje eu pretendia colocar um pouco de poesia aqui no meio de tanta prosa e pretendia escrever sobre aquele livro de Judith Farr, Nunca lhe apareci de branco, uma pesquisa sobre a vida de Emily Dickinson, com a reunião da correspondência da poeta e de pessoas que escreviam para ela ou sobre ela. Mas, ao buscar o livro na estante (li este livro em 1998), ele estava junto da biografia de George Eliot, A voz de um século, de Frederick R. Karl, e o pensamento foi imediatamente para o romance Daniel Deronda (Paz e Terra, 1997), da própria George Eliot.
Vou continuar, portanto, relacionando a literatura com o que é gerado dentro de nós após a leitura.
Daniel Deronda: ele costuma encabeçar todas as listas sobre os melhores romances que já li, sobre os mais emocionantes, sobre os mais estarrecedores, seja lá que lista eu possa inventar. O mais certo, no entanto, é que ele encabece a lista dos romances que me fizeram chorar. A lista será pequena, não costumo chorar com os livros, antes me indigno, antes me enraiveço, e, antes de tudo, admiro o estilo, vibro com a aplicação de recursos literários postos a serviço da obra. O crítico literário Harold Bloom incluiu George Eliot (pseudônimo de Mary Anne Evans, foto) no cânone da literatura Ocidental. Ela sabia tudo com seu domínio total na escrita de romances.
Apreciei a arte, verdade. Todavia chorei e muito. Chorei e comparei o choro às cascatas. Foi um choro torrencial. Jamais reli o romance. Tenho receio de não chorar outra vez. As poucas vezes que fiz uma releitura foram decepcionantes, com exceções. Eugênia Grandet, de Balzac, é a vencedora, reli 4 vezes, em épocas bem distintas e sigo gostando muito. Já Madame Bovary, de Gustave Flaubert, foi uma decepção estrondosa.
Pois bem, se alguém quiser chorar, sentir o corpo balançar, soluçar, chorar copiosamente mesmo, a sugestão é a leitura de Daniel Deronda. Ao fechar o livro, bastará enxugar as lágrimas. Esta é a grande diferença em relação à vida.

terça-feira, 21 de julho de 2009

FRASE INICIAL INESQUECÍVEL

Gerana Damulakis



Faz tanto tempo. Era um sábado de tarde. Levou apenas duas horas, se tanto. O impacto foi enorme. Quando fechei o livro, fui beber água, achando que seria impossível que algum outro livro me tomasse daquela forma. Menos mal que vários outros livros me tomaram da mesma forma, me tiraram daqui para onde, nem sei, para o livro mesmo, para sua história, para sua arte magnífica.

A frase inicial de A Metamorfose, de Franz Kafka, é emblemática do universo kafkiano, isto é mais do que notório. Depois da novela tão conhecida, fui, como de hábito, esgotar o autor. Tudo o mais que há em língua portuguesa da obra de Kafka é igualmente estupendo, inclusive O desaparecido ou Amerika, menos aplaudido e menos lido, mas que traz a novela (ou conto?) "O foguista" dentro da narrativa. Até os livros sobre a sua literatura são fascinantes, tal como K., de Robeto Calasso, sem deixar de fora o conhecimento de seu tradutor e grande conhecedor, Modesto Carone, que lançará em breve Lição de Kafka.

Agora o começo de A Metamorfose, continuando meus registros aqui das frases iniciais mais pungentes da literatura:

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.

Franz Kafka

(tradução de Modesto Carone)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

A MOÇA DOS PÃEZINHOS DE QUEIJO

Gerana Damulakis

Um dos contos mais interessantes, para não dizer um dos melhores contos nem um dos maiores contos, da literatura baiana tem o belíssimo título: "A moça dos pãezinhos de queijo". E é mesmo um senhor conto, que consta do livro O Largo da Palma, de Adonias Filho. O livro traz ainda outro conto de peso, "Os enforcados", mas foi "Um corpo sem nome", ainda do mesmo volume, que selecionei para integrar a Antologia Panorâmica do Conto Baiano - Século XX, por ser menos conhecido e, portanto, uma escolha menos óbvia. Os seis contos deste livro estão no mesmo patamar de excelência. Talvez os três agora citados sejam mais instigantes. Afunilando mais ainda, creio que, se o leitor todavia não teve a oportunidade de conhecer a literatura de Adonias Filho, a opção pelo conto "A moça dos pãezinhos de queijo" será a experiência mais gratificante. Garanto, jamais esquecerá.
O ficcionista Adonias Filho, dos romances celebrados Corpo Vivo e Luanda Beira Bahia, escreveu novelas e contos do mesmo nível de sua ficção longa. Ainda ensaísta e crítico, membro da Academia Brasileira de Letras, foi diretor da Biblioteca Nacional e seu prestígio até hoje ressoa. Reuniu as novelas e contos nos volumes Léguas da Promissão (1968) e o supracitado O Largo da Palma (1981).
Dos textos de Adonias, seu admirador, o também contista Hélio Pólvora, chama a atenção para a “tragicidade” impingida ao regionalismo moderno. As histórias têm sempre uma sustentação em estruturas equilibradas, numa linguagem sóbria e numa sintaxe original, além de uma nota poética imprevista. Para Pólvora a prosa ficcional de Adonias Filho demonstra a fusão emotiva do autor com os seus temas: "E que melhor esperar de um exímio e complexo contador de histórias, em cuja obra ressoam as vozes de toda a comunidade sul baiana?" (Pólvora, Hélio: "Adonias Filho e a Tragicidade", in O Espaço Interior. Ilhéus: Editora da Universidade Livre do Mar e da Mata, 1999).
Hélio e eu, já está visto, somos leitores de Adonias Filho. Ouso dizer que é a tal "tragicidade" que suscita nossa admiração.

domingo, 19 de julho de 2009

LITERATURA E SOFRIMENTO

Gerana Damulakis


Para escrever bem é preciso sofrer, sofrer.
Dostoiévski

Não escondo o quanto gosto de frases de escritores, como elas povoam a minha mente durante o dia, durante a noite. Mas sei reconhecer quando uma bela frase ou uma frase impactante são apenas uma frase bela ou uma frase de impacto.
Como contestar um escritor do quilate de Dostoiévski? Nem é o intuito. Ele foi aquele que, na análise psicológica dos seus personagens, soube, como ninguém, penetrar nas profundezas do ser humano (como bem diria Hélio Pólvora, ou melhor, como disse Hélio no nosso mais recente encontro). E soube mostrar o quanto o sofrimento é uma questão existencial, sem escapatória.
Fiz a pergunta para Aramis Ribeiro Costa: “Você acha que é necessário sofrer para escrever bem?”. Ele disse que sim, só que fomos adiante na decifração do que se chama sofrimento. Ele falou dos conflitos de cada um.
Mais do que a filosofia (sim, filosofia mesmo) de Dostoiévski, mais do que a sabedoria do quanto de dialética uma mente pode carregar, o sofrimento do autor de Crime e Castigo está relacionado ao conflito citado por Aramis e, na sua maneira de observar, está relacionado à capacidade de lidar bem ou mal com a dinâmica da vida.
Talvez o resultado, o escrever bem, não seja apenas consequência de uma carga enorme de sofrimento. Houve quem escrevesse bem e tivesse passado bem pela vida. Contudo, a obra deste não trouxe o debate fundamental, o é isto e é aquilo da dialética, as idiossincrasias que fazem o leitor sentir mais intensamente o grande absurdo que é a vida. Talvez este escritor tenha contado casos, encantado os leitores, mas não levantou perguntas, não mexeu com as interrogações. Ainda assim, um grande escritor, uma obra reconhecida.
Daí me confundo e volto para a frase de Dostoiévski. Vai ficar rodando na minha cabeça, seguramente.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

MARIA E NILSON

Gerana Damulakis

Às vezes estamos tristes, ou melhor, desanimados (deixemos a tristeza lá fora, não vamos chamá-la), talvez melancólicos, e entramos na blogosfera. Um mundo a blogsfera, um mundo que vai envolvendo nossos pensamentos e, logo, esquecemos o que estava acrescentando um peso extra na alma.
Eu costumo dizer que faço a ronda dos blogs.
São vários, mas vou escrever apenas sobre dois, motivo desta postagem:
Continhos para cão dormir
e Blag
respectivamente de Maria Sampaio e Nilson Pedro.

Neles encontramos os versos do poeta, as fotos que escrevem os casos e os contos da prosadora e fotógrafa. Quanta riqueza! E quanta satisfação os dois blogs proporcionam. Maria tem uma maneira de contar interessantíssima: ela posta uma foto e cria um texto, temos que ler e olhar a foto, ler e olhar a foto, um casamento perfeito. Mais uma nota peculiar: sua linguagem natural, como se estivéssemos ouvindo a narradora. Enquanto Nilson, com sua poesia, foi encantando e encantando cada vez mais leitores, a ponto dos e-amigos pedirem um livro já! Uma poesia inteligente, plena de achados e com um estilo muito próprio. E a tal tristeza, a melancolia e o desânimo? Bem longe, pois que muito do afastamento de algum momentâneo cansaço fica por conta de vocês dois, Maria e Nilson.
Por tudo isso, não é novidade para nós, que seguimos os dois blogs, que cada um tenha seu livro publicado pela P55, na coleção Cartas Bahianas, com lançamento na livraria Tom do Saber, dia 1º de setembro.
Marcus Gusmão, do blog Licuri, abriu um hotblog para este dia, onde se pode, inclusive, reservar exemplares dos dois livros: http://mariaenilsonmil.wordpress.com/
Tenho que deixar registrado que cheguei até Nilson e Maria através de Kátia Borges, do blog Madame K, minha querida amiga, além de ser minha afilhada literária que muito me orgulha, fazendo a poesia de qualidade como ela bem sabe.

Foto: Maria e Nilson, por Marcus Gusmão.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O SÉCULO XX COMEÇA A SER CONTADO

Gerana Damulakis


O primeiro contista baiano nascido no século XX é Oswaldo Dias da Costa. Ao lado de Deocleciano Martins de Oliveira, também nascido na primeira década do século passado e pertencente à geração de 30 dos ficcionistas do nordeste, Dias da Costa, que pertenceu à Academia dos Rebeldes, liderada por Pinheiro Viegas, e da qual fizeram parte Jorge Amado, Sosígenes Costa, Edison Carneiro, Alves Ribeiro, Clóvis Amorim, é quem figura com mais assiduidade nas antologias de contos da Bahia e do Brasil. Deixou dois volumes famosos: Canção do Beco, de 1939, e Mirante dos Aflitos, de 1960.
A Academia de Letras da Bahia premiou em 1999 o ensaio biográfico, O Livro de Oswaldo, de Rejane Machado, a qual levanta a proposta de ressuscitar para a cultura brasileira este autor injustamente esquecido. A ensaísta estuda o contista baiano e o seu painel histórico, avalia o homem e o escritor, a personalidade e a trajetória literária, enfim a pequena e importante obra (Damulakis, Gerana: "O Livro de Oswaldo", Leitura Crítica de A Tarde, Salvador, 23-10-2000).