Gerana Damulakis
É difícil apontar o meu poeta português preferido - talvez seja Mário de Sá-Carneiro - porque simplesmente venero a poesia do país irmão. Em tempo: jamais entendi a razão de Portugal ser nosso país irmão; assim, estava eu com uns 10 anos de idade quando perguntei - não, não perguntei, afirmei logo - para meu pai se o certo não seria país pai.
Mas o assunto é outro (eu sempre acabo em meu pai, desculpem, é que ele vive nos meus pensamentos). O assunto é Fernando Pessoa.
O escritor Luiz Ruffato teve a sorte de fazer uma seleção de textos (poemas, fragmentos de cartas) seguindo seu gosto - que trabalho delicioso! O resultado foi o livro Fernando Pessoa - Quando fui outro (Objetiva/ Alfaguara Brasil, 2006). Dele, retiro o texto bem pessoano que faz pensar e pensar e pensar.
O escritor Luiz Ruffato teve a sorte de fazer uma seleção de textos (poemas, fragmentos de cartas) seguindo seu gosto - que trabalho delicioso! O resultado foi o livro Fernando Pessoa - Quando fui outro (Objetiva/ Alfaguara Brasil, 2006). Dele, retiro o texto bem pessoano que faz pensar e pensar e pensar.
EU NÃO POSSUO O MEU CORPO
Fernando Pessoa
Eu não possuo o meu corpo - como posso eu possuir com ele? Eu não possuo a minha alma - como posso possuir com ela? Não compreendo o meu espírito - como através dele compreender?
Não possuímos nem o corpo nem uma verdade - nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões, e a nossa vida é oca por fora e por dentro.
Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer - eu sou eu?
Mas sei que o que eu sinto, sinto-o eu.
Quando outrem possui esse corpo, possui nele o mesmo que eu? Não. Possui outra sensação.
Possuímos nós alguma coisa? Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuímos?
Se do que comes, dissesses, "eu possuo isto", eu compreendia-te. Porque sem dúvida o que comes, tu o incluis em ti, tu o transformas em matéria tua, tu o sentes entrar em ti e pertencer-te. Mas do que comes não falas tu de "posse". A que chamas tu possuir?
Ilustração: de Almada Negreiros: Retrato do Poeta Fernando Pessoa, 1954.
24 comentários:
Obrigada, Gerana. Eu adoro Pessoa. Bj
Já que não possuímos, o melhor é entregarnos.
E ficar pensando, pensando,pensando...
Amiga, esse é pra pensar, pensar, sonhar...
Mas, que ilusão enomre, mesmo: se nãopossuo a mi, como possuir?
Ai, esse é para levar hoooooras ruminando.
Beijo,
Tãnia
"Mas sei que o que eu sinto, sinto-o eu".
O Eu sentimento cujos contornos vão para além do corpóreo...
Gerana todos os rios vão dar ao mar, o seu Mar é o seu pai.
Os mistérios insondáveis do Pessoa, alma de fina quintessência. Poeta que eu gosto com desmesura. Abraço
E há tanta filosofia em sua poesia que o poema penetra na língua e se demora.
Sempre bom.
beijos e bom final de semana
Gostaria que fosse possível possuir.
Gostei muito deste post...não só por ser Historiador e a questão de Portugal me fascinar...ou pelo fato de gostar muito de Mario de Sá - Carneiro...
...Mas sim por Fernando Pessoa ser citado...um grande poeta...um dos meus preferidos como autor e como homem em seu cotidiano...
Tabacaria é uma poema que mudou minha maneira de perceber o mundo...
Sempre necessito reler este poema para continuar ver a vida com outros olhos...
Agradecido pelas visitas ao Rembrandt
Abraço
Talvez por não podermos possuirmos nada privilegiamos tanto o ter em detrimento do ser e do sentir. Liga não, são pensamentos de uma sexta-feira de uma semana difícil, difícil.
Um beijo.
Texto para ser refletido, enfim, filosofar é aclarar os nossos pensamentos e ampliar as nossas possibilidades de concluir. Gosto de textos que levam à reflexão. Muito bom, Gerana.
pienso y pienso y pienso: qué poseo yo? no sé...
a qué le llamo poseer:ya tampoco lo sé...
gracias por Pessoa!
besos*
Querida Gerana:
Que texto maravilha! Ah se eu conhecesse as fronteiras da minha alma...adorei.
É linda a forma como apresentas a questão. País-irmão, sem «cliché», sem preconceitos - pai pode ser uma relação complicada.
Beijinhos
"Toda posse é ilegal". (Proudhon)
Beleza de poema, Gerana. Também gosto do Pessoa na pessoa.
Bom final de semana.
o Mário de Sá-Carneiro que me desculpe, mas superar o Pessoa é tarefa impossível.
Que curioso, não conheço esse livro do Ruffato, nem sabia que ele tinha livro pela Alfaguara.
Quanto ao Pessoa, bem, ele é o divino. Visitei o túmulo dele dentro do mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa, esse ano.
Beijos, querida Gerana! Bom fim de semana!
Menina, que poema maravilhoso! Tem a ver com meu próximo espetáculo "O Corpo Perturbador". Virei aqui para pescar coisas que me inspirem.
Fernando... só poderia ser Pessoa. Também gosto demais dos poetas portugueses, Gerana. A língua é mesmo nossa Pátria. Beijoos
Gerana, que coincidência, porque nesse trecho já me detive algumas vezes; está no Livro do Desassossego de Bernardo Soares. Ao ler sua postagem, fui ao livro e encontrei o marcador na página em que estava este trecho
(364). rs. Fiquei surpreso!
Pessoa sempre me traz grandes questionamentos. Pensar o conhecimento é uma das grandes perguntas presentes em Fernando Pessoa.
Como sempre, é muito bom vir a este blog.
Beijos.
Querida Gerana, que delícia! Eu acho que vc deve ser muito feliz.
Beijos
adorei, Gerana!
obrigada por este post.
e não é por ser portuguesa mas achei uma ternura país pai.
país pai imagino, ainda, que possa ser um pai como o seu.
e voltei a comover-me, aqui.
obrigada, Gerana.
Poxa
fico 9875183956197 dias sem aparecer, volto e tem mil coisas.....tenho que tomar um café, ir ao banheiro e depois voltar. Hehehehhe
Ave Maria Gerana, eu sempre encasqueto com isso. Se os outros sentem o mesmo gosto, se sentem a mesma dor, e mais ainda...quem é esse eu que me vê e me desperta, e me chama...e tem outros...
Ele mesmo disse: eu que aguente comigo e com os comigos de mim. Ele, em Pessoa é meu predileto.
Agora, país pai é genial. Vc já era genial né?
E seu pai...tem que estar aqui, deve, faz parte. E seu relógio...vai bem?
E essa agora da Betina ser eu.... veja tá uma bagunça a minha identidade.
Adoro as suas histórias pessoais.
A vida tem destas coisas. Eu devo ser o único português que não gosta de Pessoa, aliás detesto-o, poeta sombrio. Ainda mais quando o meu país tem Cesariny, Sá Carneiro, Cesário Verde, Joaquim Pessoa.
Abraço
Henrique
PS: país irmão? Talvez, se aceitarmos prosaicamente que a nossa pátria é a lingua portuguesa. Quanto ao resto, acredito piamente que brasileiros e portugueses se desconhecem em absoluto. Uma pena
Pessoa com suas reflexões profundas que tanto dizem à minha alma. Um abraço, Gerana.
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