Não vou dizer que reli: não reli. Li há muito tempo e não esqueci a deliciosa viagem pela Rota 66, com Jack Kerouac, em Pé na estrada.
No dia 5 de setembro de 1957 foi publicado o livro On the Road, de Jack Kerouac. Por conta do aniversário de 50 anos, a editora Viking lançou, em 2007, pela primeira vez em formato de livro, a versão original que o autor datilografou em um rolo de papel para telex de 36 metros de comprimento. O manuscrito difere da versão final por não ter parágrafos, por ser maior em 120 páginas, por trazer os nomes verdadeiros dos personagens, por conter descrições sexuais sem censuras, afinal, é fruto de uma escrita enlouquecida que levou três semanas para ser concluída, contando uma aventura que se prolongou por sete anos. Após três revisões, o que era memória virou ficção, ganhou adornos literários e Neal Cassady, amigo de Kerouac, passou a ser chamado de Dean Moriarty, enquanto surgiu Sal Paradise, personagem com base no autor, formando um par que atravessa os EUA bebendo, ouvindo música e se envolvendo com todos que cruzam seu caminho.
Da “batida” do jazz associada ao misticismo oriental nasceu o termo “Beat”, em 1952, cunhado por Kerouac para o “movimento que daria voz ao espírito de uma geração em revolta contra o conformismo e a respeitabilidade dos EUA da Multidão Solitária”, segundo Malcolm Bradbury, em O romance americano moderno (Jorge Zahar Editor, 1991). Por outro lado, é certo que a palavra beat tem uma gama de outros sentidos: vai da “batida”, até “botar o pé na estrada” (beat the way), passando por “trilha”, “furo” (jornalístico), mas Kerouac ouviu da boca de um marginal com o sentido de “exaltada exaustão”.
Ainda que William Burroughs tenha sido mais importante como experimentador e, ainda que a expressão poética deste clima emocional tenha ficado por conta do longo poema “Howl” (“Uivo”), de Allen Ginsberg, é o romance de Kerouac, aqui traduzido como Pé na estrada, editado pela L&PM, com tradução, prefácio e delicioso posfácio de Eduardo Bueno, que marca a “prosa bop espontânea”, que influenciou uma horda de escritores nos anos 60.
Não parece necessário que haja uma idade certa, tanto para ler Pé na estrada, quanto para ler O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, parece mais possível que haja o leitor certo para estas narrativas que vivenciam tão profundamente a juventude, sendo até melhor fazer a leitura quando já se está olhando, na segurança da praia, como as ondas são revoltas.
A revolução comportamental gerada por On the Road inclui gente como Bob Dylan, que fugiu de casa depois de ler o livro. Basta que o leitor seja capaz de lembrar a inquietação, o fascínio pelas descobertas e o sonho de liberdade, para que usufrua totalmente tais caminhadas. A dupla de Kerouac cruzando o país inteiro a partir da Rota 66, desbrava, transgredindo, outra estrada: a que se vai construindo ao abandonar a infância. A “bíblia hippie”, o mito On the Road, para usar o chavão proporcionado pelo livro-prisão, ofuscou suas outras obras, como The Dharma Bums (Os vagabundos iluminados). Jack Kerouac morreu em 1969: estava apático, sem nenhum espírito de aventura.
20 comentários:
nunca li!
Cara Gerana,
Eu li o "Pé na Estrada" assim que saiu a tradução, e achei a história tão norte-americana quanto aqueles filmes de far-west.
Aliás, às vezes fico com a impressão de que há uma certa arte nos EUA que é muito deles, é para consumo interno.
Imagino que numa sociedade que convivia com o maccarthismo o ideário beat deve ter sido uma paulada.
Fiquei curioso de ler o manuscrito original.
JR.
Bela metáfora:
"Sendo até melhor fazer a leitura quando já se está olhando, na segurança da praia, como as ondas são revoltas".
Maravilha Gerana.
Gosto muito dos poetas Beats, e Kerouac é meu xodó :)
Vc deve saber, que Kerouac tb escreveu alguns Haikais né.
Ai que bom vir aqui e dar de cara com esse moço bonito rs :)
Bjs
Gi
Gerana, eu li faz tempo, não tenho vontade re reler, mas o Apanhador no Campo de Centeio, que li antes até, reli há pouco tempo.
Gostei demais desse seu texto, iluminando a obra, com as cores de seu tempo.
Mas o que me encantou, e por isso volto sempre aqui, são as suas impressões.
Olha que maravilha essa coisa de não ter idade certa, mas leitor certo. Ah, pude alastrar essa ideia pra muitas coisas da minha vida.
Depois vc me conta como a gente faz pra estar na praia, em segurança...rsss.
Confesso que ainda não li Kerouac, embora não seja esse o primeiro texto que encontro elogiando a obra dele. Se não tivesse com outras leituras em vista bem que eu providenciava um On the road pra mim
Oi, Gerana.
Obrigado pelos comentários no Contos do Mar www.flamarionsilva.blogspot.com
(estou divulgando aqui).
Nunca li Kerouac, está na minha lista faz tempo.
Beijos.
Sempre dá vontade de viajar, nem que seja pelas palavras do On the road. A arte de narrar se mistura ao lodo da vida cotidiana, uma revolução. Abraço.
Tenho uma admiração pela escrita de Kerouac,so Baets são uma forte fonte para quem quer escrever e ler bem!!
Gerana...
Pensei em deixar sem resposta. Mas seria uma espécie de "desconsideração" contigo. Acho que, por respeito a você, preciso te explicar uma coisa.
Você deixou escrito em meu blog:
"Algumas coisas são risíveis, outras não são. E vejo que, infelizmente, ainda impera a visão da mulher que precisa de cartão de crédito de marido (coisa ultrapassada).
Minhas impressões: Eu não acho que as mulheres precisem de nossos cartões de crédito ( o que realment é uma visão ultrapassada... e tem muita gente com a visão ultrapassada e tenho certeza que este não é o meu caso ) e, em nenhum momento, pretendi outra coisa, que não fosse uma brincadeira e não vá dizer que é quando se brinca que se fala as coisas sérias, por que também não é meu caso. Vários leram, captaram o espírito, sorriram ( e esse era o único objetivo do post ) e depois esqueceram. Queria esclarecer isso. de fato era uma brincadeira. Se voltar a ler o post, observará no início e no final o que realmente penso das mulheres. Meu total respeito a elas e a você.
Também me incomodo com a inferiorização das mulheres. Homens e mulheres tem seu espaço e ambos devem entender e respeitar isso.
Uma boa semana!
Ia esquecendo...
Já li Jack Kerouac...
Obra fantástica....
Será que quem lê Kerouc acha mesmo que mulheres precisam de cartão de crédito de seus maridos???
Gerana, muito acertado quando vc dice
sobre esa "outra estrada: a que se vai construindo ao abandonar a infância". É um viagem geográfico e, ao mesmo tempo, iniciático.
Tive minha etapa Kerouac: En la ruta, México City Blues, Los vagabundos del Dharma, e , o livro que mas gostei, The subterraneans. Agora me esperan Big Sur e a versão original que vc menciona.
Te recomiendo algo del rock argentino que está na mesma sintonía: Pappo Blues, Ruta 66.
E haja informação, benza Deus! diria minha mãe. Nunca li o autor e não chega a me chamar a atenção o assunto,pelo menos no On the road, mas está muito bem delineado para os que se interessam por ele. Mas que a foto merece mais de uma contemplação, não há como duvidar. Benza Deus! digo eu agora.
E viva a geração Beat!!!
Boa semana, Gerana, bjo.
Kerouac, como Salinger, não têm idade certa para serem lidos, como você bem escreveu. Mas nunca mais serão lidos por uma geração de leitores que ajudaram a formar, como a nossa. Beijo.
Mentir não é o meu forte (costumo até dizer: «antes de tudo, a verdade»), por isso te digo, simplesmente, que nunca li.
Voltei de viagem, amiga.
Beijinhos
Como você bem diz, Gerana, não parece haver uma idade certa, para se ler uma obra literária, mas o leitor certo. Entramos aqui no território da identificação, do que nos atrai. Li 'O apanhador no campo de centeio' e gostei muito. De Kerouac nada conheço, confesso. Li o famoso poema do Ginsberg também. Mas, vou te confessar, e espero que não me ache muito antigo não,rs....adoro as crônicas de viagem do Hermann Hesse. Acredita que a obra de ficção desse autor não me atrai tanto quanto suas narrativas de viagens?
O Kerouac deve ser bom, conheço uma legião de fãs, e até seguidores. Mas acredito que não tenha aparecido motivação, ou até uma ocasião propícia para lê-lo. Porém, o que ouço sobre seu espírito anti-convencional, libertário, é algo que me fascina.
Grande abraço.
Esse manuscrito original deve ser muito interessante. Apesar de já estar "em segurança, na praia", continuo com a velha aversão ao American way of life, e me parece que a revolta (não só lá, como em qualquer lugar do mundo) seria inevitável e talvez mais destrutiva.
Um ótimo texto, como sempre :D
Não li. Mas é engraçado: é como se tivesse lido, em outros livros, outras palavras. A influência desse pessoal, acho, ainda não foi dimensionada e vai voltar a se fazer sentir quando baixar um pouco a sanha do turbo-capitalismo!
yo hice el mismo viaje que vos.
excelente tu crítica.
un beso*
crê que ainda não li nada da geração beat? a hora chegará!
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