Por que eu leio tantos romances? Seguramente não é pela mesma razão que Emma Bovary. Ao contrário de Flaubert, Madame Bovary, c'est pas moi!
Quem me deu a resposta foi o escritor argentino Tomás Eloy Martínez (1934 - ), no romance Purgatório (Companhia das Letras, 2009):
As coisas que não existem são em número muito maior do que as que chegam a existir. O que nunca existirá é infinito. As sementes que não encontraram sua terra nem sua água e não se transformaram em planta, os seres que não nasceram, os personagens que não foram escritos. As rochas que voltaram a ser pó? Não, essas rochas, em algum momento, chegaram a ser. Falo apenas daquilo que podia ser e não foi. O irmão que não existiu porque você existiu no lugar dele. Se o tivessem concebido alguns segundos antes ou alguns segundos depois, você não seria quem é e não saberia que sua existência se perdeu no ar sem que você mesmo se desse conta disso. Aquilo que não chega a ser nunca sabe que poderia ter sido. Os romances são escritos para isso: para compensar no mundo real a ausência perpétua daquilo que nunca existiu.
Os romances servem para preencher uma falta, o que não chegou a existir.
E você, por que fica lendo romances, quando poderia fazer outra coisa?
Foto: Tomás Eloy Martínez, do periódico el País.
17 comentários:
Que outra coisa eu poderia fazer que fosse tão envolvente quanto um texto de Saramago, ou Dostoievski, ou Camus, ou Hemingway, ou Adonias Filho, ou Moacir Lopes? Talvez inconscientemente eu preencha uma lacuna, enquanto me delicio, mas, conscientemente eu também estudo e aprendo enquanto os leio, e anoto nas margens minhas observações. Tenho, pois, mais de um motivo para ler romances.
Pergunta bem pertinente, chegou na altura própria (para mim). Um abraço,
cduxa
como está lá em um subtítulo de meu blog: "perdida entre ficção e realidade"
Gerana:
Estou de saída para Lisboa...
Não posso deixar de dizer-te que este post levanta uma questão essencial. Eu não sou grande leitora de romances. Gosto de romance histórico. Prefiro ensaio e poesia. Fascina-me semiótica e crítica literária...deformações profissionais.
Se achas que vale a pena, claro que podes, basta clicares em «poemas». na barra lateral e lá tens tudo.
Beijinhos
Mas eu leio mesmo é muita poesia - e textos teóricos de literatura. Ai, não sou um leitor que sirva de modelo, né?!
Muito boa a resposta do Martinez, Gerana.
Leio romances porque adoro me perder naqueles enredos e tramas, naquelas histórias para mim mais reais do que a do mundo que me cerca.
"Os romances são escritos para... compensar no mundo real a ausência perpétua daquilo que nunca existiu."
Profundo isso. Vou ficar com essa frase para meditar no restante da tarde!
Eu também leio romances e talvez essa seja uma bela resposta que eu deva dar para quem me pergunta por que eu também leio.
Mas me deixa pensar um pouco!
Uma excelente pergunta. Vou pensar nos meus porquês.
Gerana, vc tem um blogue deveras interessante. Parabéns.
Bom fim de semana.
Beijos.
Eu ainda não sei a resposta e por isso continuo lendo romances, e quanto mais eu leio mais aumenta a cota do meu não saber.
Menina, já fui e voltei e ainda não sei te responder. Os romance não me cobrem lacunas, acho que ao contrário, me descobrem...
Questionamento bom, este. Primeiramente, leio porque está escrito. Mas se leitura fosse algo de beber, eu bebia; se fosse algo de comer, eu comia. É bom prato para o espírito. Mas observo que o espírito não se afina com todo tipo de literatura, ele faz recortes, escolhas, e estes recortes vão se juntando e compondo um mosaico, ou seja, a composição de uma história que estamos a escrever. Indo por essa linha de pensamento, ler é escrever. Acho que leio por isso: leio para preencher o meu eu coletivo todo incompleto. (Vou parar por aqui, pois as coisas estão se complicando).
Beijos, Gerana. E Feliz 2010!
... é o melhor caminho para chegar a qualquer lugar, qualquer que seja.mais do que qualquer outro meio, mais ainda que poesia. não sou um grande leitor de poesia.
acho que leio mais poesia que romance...
leio porque gosto muito, sinto muito prazer em me sentir acompanhada.
Seja romance ou poesia, a leitura compensa, recompensa e algumas até descompensam. Mas são imprescindíveis. Adorei Martínez.
beijo, Gerana.
Leio por teimosia. Por prazer, por tesão. Afinal de contas, nada melhor pra vermos a realidade do que uma boa ficção, pois não?
O cérebro humano foi elaborado para lidar com o real, mas a sua mente, não. A mente humana não consegue se restringir às fronteiras sólidas da realidade material, limitada. Ela é da mesma natureza que o suprarreal mundo dos sonhos, dos desejos, das fantasias, das utopias, das invenções que um dia foram consideradas absurdas. Por isso precisamos da arte e dos romances. Precisamos da nossa dose diária de fantasia.
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