Gerana Damulakis
A Coleção Cartas Bahianas brilhou em 2009. Não, não listarei os títulos, nem revelarei a melhor novela da coleção, nem direi dos contistas da coleção que me surpreenderam, nem os poetas citarei. Porque também não irei me deter nos Continhos para cão dormir (P55 Edições, 2009), igualmente da coleção, escrito por Maria Guimarães Sampaio. Mas, vale alertar, não escreverei sobre o livro citado por uma razão: desta coleção, me fixei nos títulos que trouxeram poemas e, como exceção, escrevi sobre a novela de Állex Leilla, O sol que a chuva apagou - creio que foi o único livro de prosa para o qual teci uma espécie de resenha, já que acompanho a produção de Állex desde seu primeiro livro, depois resenhei seu romance na minha coluna do jornal A Tarde e continuo seguindo com muita atenção, repito, suas realizações literárias.
No entanto, poderia ter escrito sobre o livro de Maria, não fosse a posição de seguir apenas os poetas, pois Continhos para cão dormir traz mini-contos, como prefiro chamar, que suscitam as mais variadas emoções; com eles o leitor ri, se entristece, se espanta, se solidariza com a dor e, por fim, Tieta morre: mais emoção com o peculiar modo de escrever da autora.
E é este modo de dizer, o “como dizer”, a maior personagem do romance de Maria Sampaio, Estrela de Ana Brasila – estória sem compromisso com verdade nenhuma, nem bicho, nem planta, nem gente, nem lugar, nem tempo – e nem falares (Record, 2004). Mais do que sabido, em literatura não importa o que se conta, mas como se conta. Maria conta e como conta! Com isso, quero dizer que a história guardada neste romance é uma história que importa, assim como importa a maneira como ela é contada.
Viajamos no tempo com Branca Marana, mulher típica do século XX, se libertando de amarras que oprimiam o sexo frágil. De um capítulo para o outro, estamos no tempo das senzalas e o romance vai ganhando força, surge a mãe da personagem do título, Ana Brasila, surge Prudença, surgem seus amores, surge Estrela de Ana Brasila, surge Frutuoso, surge Brianda, elas também vão tendo seus filhos, surgem muitos personagens: é um mundo criado nessa volta do tempo, um mundo onde habitam os índios, os negros, os brancos e, sem exagerar, onde surge o brasileiro e a brasileira, frutos dessa mistura – não é sem razão que Ana é Ana Brasila.
Não vou buscar influências literárias para a obra de Maria, registro tão somente que não há como não lembrar de Guimarães Rosa, embora a linguagem que a escritora apresenta seja totalmente de acordo com seus personagens e não com os personagens de Rosa. A lembrança, portanto, fica restrita apenas ao fato de Rosa ser um escritor que simboliza tal atitude literária. Outra lembrança também ocorreu, não por encontrar influência da obra que citarei sobre Estrela de Ana Brasila, mas por construir uma saga, elencar personagens vários: a lembrança foi a da leitura de Cem anos de solidão, de García Márquez. São, todavia, pontes que o leitor gosta de fazer.
O romance de Maria Sampaio cria um mundo, com seu tempo, ou melhor, seus tempos, sua história muito bem contada. Original, plena de sentimentos, acompanhando as circunstâncias das vidas, a obra é rica, envolvente, dá vontade de aplaudir e, no final, com os cães Merlin e Tieta (sim, Tieta que acaba morrendo em Continhos para cão dormir), Maria ainda arranca um sorrisinho do leitor quando Branca Marana (voltamos para ela) passa por Moreno e, bem depois, em casa, reconhece que era ele. Redondo, o romance termina. Bravo!
15 comentários:
Como falar dos livros que não lemos. Não tenho o talento do Bayard, mas para quem gosta de ler o teu texto é um convite à apreciação deste romance da Maria Guimarães. Vou colocar na lista. Abraço.
Gosto demais dos mini-contos, Gerana. Teus textos e resenhas também contam - e como contam, sobre os autores e suas obras, de maneira brilhante. Pronto... agora já não dá mais para ficar sem ler Maria Sampaio. :) bjo.
Prezada Gerana,
Vi seu comentário no blog da Andréa e tomei a liberdade de fazer-lhe uma visita.
Parabéns pelo blog, seus textos são extremamente bem escritos e tudo aqui remete ao que de melhor a literatura pode nos trazer.
Aproveito para convidar você e seus leitores para conhecer jazz + bossa, cujo endereço é:
www.ericocordeiro.blogspot.com
Abraços fraternos!
Gerana (e isso vai também pra Nilson, que falou do romance há pouco no blog dele), eu gosto demais de Ana Brasila. É meu preferido, entre as crias de Maria. Acho literatura de primeira - difícil, não é pra qualquer leitor, mas é de primeira qualidade.
Parabéns pela resenha!
Oi, Gerana! Vc é amiga da Maria? Tive o prazer de produzir (à distância, desde o Rio de Janeiro) a noite de autógrafos deste livro, quando trabalhava como supervisora de eventos na Editora Record. Até hoje conservo o contato com a Maria, que volta e meia comenta o meu blog. Que bom!
Aproveito para dizer que Salvador é um dos destinos que desejo visitar em companhia dos meus filhos. Eu conheço, passei quase um mês de férias aí. Mas faz muito tempo e é hora de voltar. Em breve!
Beijos!
gerana:
vc foi arremessada às mesmas lembranças que eu quando li estrela de ana brasila: guimarães rosa e garcia marques. cheguei a desenhar na ultima contra-capa, uma árvore genealógica ( a exemplo do que fiz em 100 anos de solidão) pra não me perder. vez em quando releio estrela pra descobrir coisas que passam sem a gente notar. acho-o um livro maravilhoso.
...e que bom que vc sabe dizer ( muitíssimo bem) o que eu não soube;
permite, gerana?
pronto, maria, taí o que eu acho do seu livro.
Querida Gerana:
gostei de ler a resenha, mas não me posso pronunciar, pois desconheço. Bom é vir aqui e encontrar sempre informação sobre um universo que não é o meu, mas do qual me começo a aproximar e...gosto muito!
Beijinho amigo
Pôxa!!! e eu dormindo no ponto. Onde eu andava? Se tenho palavras para escrevinhar romances, Gerana, perco-as todas na hora de agradecer seu belo texto sobre Estrela de Ana Brasila. Valeu. Beijo grato também aos comentaristas. Maria
Onde posso encontar o livro?
Duro mesmo é escrever sobre os livros depois que te conheci! Quanto a Maria Sampaio, sou suspeito pra falar, mas ela tem uma escrita realmente peculiar, cria uns neologismos gostosos, umas junções inesperadas. Um vício dos bons.
Ediney: segundo Maria, na livraria Tom do Saber, no Rio Vermelho, sempre tem. E pela internet há várias livrarias que têm, basta colocar o título no Google. Abração.
Gerana: Não li todas as Cartas Baianas, mas, faço questão de assinalar o livro de contos: "3 vestidos e meu corpo nu" de Marcus Vinicius Rodrigues. Para mim uma revelação.Poeta, conhecia seus poemas, mas é na prosa que Marcus encontra seu território. Ele tem um certo encanto.Eis um escritor encantador. Foi uma das melhores coisas que li nesse 2009.
Oi Gerana: volto, para pedir desculpas a Maria Sampaio, o papo era Estrela de Ana Brasila e eu entrei falando do livro do Marcus Vinicius. Acontece que não li o livro de Maria Sampaio, nem vários outros da coleção,e a citação de Cartas Baianas logo me remeteu ao livro do Marcus que tanto me impressionou. Vou procurar o Estrela de Ana Brasila que está merecendo tantas referências e agora me despertou curiosidade. Desculpe a mancada, Maria Sampaio, não sou uma pessoa grosseira, mas às vezes a gente pode sedescuidar. Um beijo. Gláucia
E eu que também falei do livro, mas sem a mesma propriedade: acabo de me dar conta de mais coisas sobre Estrela. Beleza, Gerana!!!
Postar um comentário