Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então adoro.——————”
Clarice Lispector in A Paixão Segundo GH
Não saberia responder se alguém lhe perguntasse, afinal, quem era ela de verdade naquele momento, tampouco se seria capaz de prolongar aquele estado até sua plenitude, mas estava ali, e mais, maior que isso: estava sendo. Estava sendo e tinha curiosidade. Uma curiosidade infinita. Finalmente Júlia Capovilla vivia, e apenas, em profundidade,
---------------------------como nunca, desejava viver.
Manoela Sawitzki in Suíte Dama da Noite
Gerana Damulakis
Uma revelação, para mim. A vírgula merece atenção. O romance Suíte Dama da Noite (Record, 2009) foi uma revelação, para mim. O romance da escritora Manoela Sawitzki não é uma revelação, pois já não se trata de uma voz nova que se revela. Ela tem uma estrada caminhada: seu primeiro romance foi Nuvens de Magalhães (Mercado Aberto) e a peça Calamidade (Funarte) rendeu-lhe o Prêmio Açorianos de Melhor Dramaturgia de 2006. Jornalista, colaboradora das revistas Bravo! e Aplauso, trabalhou em roteiros de cinema e televisão.
A história de Suíte Dama da Noite é uma história de amor, mas a ênfase está na expectativa da realização desse amor. E ele se realiza, não sendo, por tal, o que mais importa. A escritora mira a alma transtornada de uma mulher, Júlia Capovilla, plena de perturbações: a obsessão por um homem que conheceu menino (ela também menina) e que atravessa sua juventude, a satisfação por mentir tão bem, a perdição de seus pensamentos.
Porém, ainda não disse a razão do livro ter sido uma revelação. Eis: a elaboração do romance é engenhosa e a história fica bem urdida por conta da edificação do texto. Cada capítulo traz, no início, na página direita, uma mentira; de saída, mentiras que ouvimos no cotidiano, tais como Estou com pressa, Está tudo bem, mas quando a narradora está tratando de Júlia Capovilla ainda criança, as mentiras são típicas daquelas usadas por crianças, sobre o pai, sobre a mãe, sobre a avó, sobre a tia - um cuidado a mais da autora. Na página esquerda, algumas palavras encabeçam e serão relidas, as mesmas, encerrando o capítulo. São quatro partes, cada uma com seus capítulos e seu ritmo. Os pensamentos de Júlia estão sempre entre parêntesis e não obedecem às regras da pontuação, como costumam ser os pensamentos.
Única ressalva: ecos de Clarice Lispector; ainda bem que nem sempre os ouvi. Creio que a literatura brasileira escrita por mulheres chegou a um ponto que, embora Clarice tenha sido e seja fundamental, já é hora de largar sua mão. E Manoela pode seguir com as mãos livres. Ainda escreverei sobre o assunto: Clarice Lispector e Rubem Fonseca, fundamentais, mas...
O escritor angolano Ondjaki, que assina “as orelhas” do livro, registra a importância do romance de Manoela no momento literário: “Manoela Sawitzki inscreve assim, na literatura contemporânea brasileira, um poderoso retrato das querenças, relações e contradições humanas, partindo do olho de um oculto furacão chamado Júlia Capovilla.”
Suíte Dama da Noite, de Manoela Sawitski: uma revelação, para mim.
Foto de Manoela Sawitzki retirada do blog Máquina de escrever.
13 comentários:
Gerana, obrigada pelo comentário no blogue de Mayrant. Saudades de você. Um beijo.
oi Gerana, uma pena mesmo não nos encontrarmos no lançamento de Kátia... como falo pouco e fico um pouco tímida nessas ocasiões, fiquei numa mesa todo o tempo, quietinha...
teremos outras oportunidades, com certeza!
beijo, karina
Sempre bom descobrir gente nova, Gerana. Vou ler tão logo minha fila de livros me permita. E a fatura do cartão, óficórsi.
PS: parafraseando Luís Fernando Veríssimo, quando escreveu a respeito de Bruna Lombardi, essa moça parece ser bonita até por fora, pois não?
Li este livro e também achei uma revelação. Grande manoela, me entusiasmou mais que Tatiana Salem Levy e Carola Saavedra, para ater a comparação entre escritoras de uma mesma geração, ou seja, com pouco mais de 30 anos. Só não posso dizer nada sobre Andrea del Fuego, lerei.
Abraço. Pereira
os ecos, as pernas próprias, os sons alheios... O que não me deixa sossegado é essa tentativa de redescobrir (ou descobrir) a África nos autores de lá, esquecendo os novatos brasileiros, que esperam suas chances. Só falo isso aqui por causa do autor que assina a orelha da moça. Já está tão importante a ponto de assinar orelhas? O exotismo dessa elite brasílica é coisa que me enoja.
Simpática e Estimada Amiga:
Um "relato" fabuloso em que foca, com brilhantismo e preciosismo", os autores(as) que se evidenciam pela sensacional harmonia, poder de escrita e sentido criativo.
Um post maravilhoso e perfeito, como tudo aqui.
Registei o talento grandioso da escritora Manoela Sawitzki entre outras mais escritoras, cuja sensibilidade e espectacularidade são admiráveis e fabulosas.
Parabéns pela sua ternura, pureza maravilhosa e encanto.
Com respeito e estima imensas.
Sempre a admirá-la e a lê-la atentamente pelo génio que jorra e cintila de si.
Beijinhos amigos de pureza.
pena
MUITO OBRIGADO pela ternura deixada no meu blogue que adorei.
Bem-Haja, fantástica escritora talentosa e divinal.
MUITO OBRIGADO!
Respondi por e-mail, Gerana, mas também lá no blog, para o caso do endereço que tenho estar errado.
Ótima semana.
Beijos
Também nesta obra,
"a ênfase está na expectativa
da realização desse amor"...
E, graças a essas leituras,
é que vivemos a sonhar
- conteúdo de "Quando muito",
poema que publiquei recentemente
em minha confeitaria poética.
Um abraço,
doce de lira
E além de tudo, ainda é linda! procurarei ler seu livro. Sempre me disseram que Deus não dá tudo a uma só pessoa, sempre deixa em falta de algo para não alimentar a vaidade. Com tamanho talento e tamanha beleza, que será que falta a
Manoela? Deus estava particularmente bem-humorado quando a moldou. Que não lhe falte felicidade é meu desejo sincero.
Você valoriza tanto a obra do outro e acredito que seja com merecimento, que nos sentimos impulsionados a conhecê-la.
Gerana, fique à vontade. Fico feliz por vc ter gostado do Alba. Estou tentando comprar o livro que reúne a obra dele: Uma pedra ao lado da evidência. Mas está difícil. Se vc procurar mais no google vai encontrar depoimentos de contemporâneos dele. Uma coisa que chama a atenção no Alba: sua vida de mendigo, morador de rua, não apareça em sua obra.
Oi, Gerana, o comentário era lá mesmo, no post anterior. Brinquei com o verso de Gonzaguinha, que me ocorreu ao ler o poema. Embora, claro, Manoela seja bonita. Aliás linda, como disse Gláucia.
"A vírgula merece atenção": adorei!
Um abraço, grata para sempre.
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