Kátia Borges não precisa mais de avaliações. Sua poesia já está inserida na literatura baiana contemporânea como uma das vozes mais singulares. Voz enriquecedora, pois que aumenta a quilatagem que a nossa poesia alcança. No implacável conteúdo emocional, nas constatações que procuram a cumplicidade do leitor, a poeta alicia.
O segundo livro de poemas de Kátia Borges, Uma balada para Janis (P55 Edições, 2009), da Coleção Cartas Bahianas, traz algumas mudanças substancias se comparado com De volta à caixa de abelhas (SCT/ FUNCEB/ EGBA, 2001), da Coleção Selo Editorial Letras da Bahia. Primeiramente por tratar, já no título, de uma empreitada maior do que a anterior, a qual reunia poemas sem enlaçar, digamos, um determinado tema. Daí que, seja apenas devido à essência poética, seja pelo necessário movimento sequencial do texto de agora em cima de um personagem (vida e morte), carregando-o ou sobrecarregando-o de maior responsabilidade, um acréscimo se deu em relação ao livro de estreia.
A escrita poética foi tecida com precisão para que se saiba exatamente sobre o que deve ganhar reflexão. Vem, portanto, ajudada por sua dicção peculiar, como se um prisma fosse, deixando a integração por conta da combinatória temática sugerida desde o título.
Sim, porque A balada para Janis não é o título de um poema que foi parar na capa como título do volume: o volume mesmo tem quatro poemas, todos relacionados ao mundo de Janis Joplin, do nascimento até a morte.
O primeiro poema é “Port Arthur, Texas”. A cidade Port Arthur, onde nasceu Janis, no Texas: seus 10 cantos – sim, vou chamar de cantos – falam de uma menina ( a poeta, há um “eu”), de uma infância, de sua mãe e de seu pai e do medo do que há por vir. Lugares são frisados, o título fala no Texas, mas os cantos falam da Baía de Todos os Santos, de Barra Grande.
1.
Mãe, não ponha a mesa,
parece que sou visita,
parece que sou princesa.
Ah, é, sim, ela me diz,
naquele seu jeito terno dela,
para mim, você é princesa.
Depois de recordar, de lembrar uma festa sem herói, no canto 10, encerrada está a infância: “Minha infância é um país/ destruído, do qual parti em sobressalto,/ numa noite sem sonhos”. Mas é como num sonho que o leitor encontra atrás daquele “eu” que falava com a mãe, uma voz de mulher que vai partir: “não sei dos outros,/ mas cheguei aturdida/ - sem adolescência que desse conta,/ do passaporte e da bagagem - / numa outra espécie de vida”.
O segundo livro de poemas de Kátia Borges, Uma balada para Janis (P55 Edições, 2009), da Coleção Cartas Bahianas, traz algumas mudanças substancias se comparado com De volta à caixa de abelhas (SCT/ FUNCEB/ EGBA, 2001), da Coleção Selo Editorial Letras da Bahia. Primeiramente por tratar, já no título, de uma empreitada maior do que a anterior, a qual reunia poemas sem enlaçar, digamos, um determinado tema. Daí que, seja apenas devido à essência poética, seja pelo necessário movimento sequencial do texto de agora em cima de um personagem (vida e morte), carregando-o ou sobrecarregando-o de maior responsabilidade, um acréscimo se deu em relação ao livro de estreia.
A escrita poética foi tecida com precisão para que se saiba exatamente sobre o que deve ganhar reflexão. Vem, portanto, ajudada por sua dicção peculiar, como se um prisma fosse, deixando a integração por conta da combinatória temática sugerida desde o título.
Sim, porque A balada para Janis não é o título de um poema que foi parar na capa como título do volume: o volume mesmo tem quatro poemas, todos relacionados ao mundo de Janis Joplin, do nascimento até a morte.
O primeiro poema é “Port Arthur, Texas”. A cidade Port Arthur, onde nasceu Janis, no Texas: seus 10 cantos – sim, vou chamar de cantos – falam de uma menina ( a poeta, há um “eu”), de uma infância, de sua mãe e de seu pai e do medo do que há por vir. Lugares são frisados, o título fala no Texas, mas os cantos falam da Baía de Todos os Santos, de Barra Grande.
1.
Mãe, não ponha a mesa,
parece que sou visita,
parece que sou princesa.
Ah, é, sim, ela me diz,
naquele seu jeito terno dela,
para mim, você é princesa.
Depois de recordar, de lembrar uma festa sem herói, no canto 10, encerrada está a infância: “Minha infância é um país/ destruído, do qual parti em sobressalto,/ numa noite sem sonhos”. Mas é como num sonho que o leitor encontra atrás daquele “eu” que falava com a mãe, uma voz de mulher que vai partir: “não sei dos outros,/ mas cheguei aturdida/ - sem adolescência que desse conta,/ do passaporte e da bagagem - / numa outra espécie de vida”.
Assim a viagem interior começa e o título nos deu a pista de que não se deve perder de mira a ambiguidade; as mulheres são duas, apenas uma pode olhar para a outra, uma delas já não existe.
O segundo poema é “High Ashbury, San Francisco”. Quando Janis se aproximou de uma comunidade hippie em Haight-Ashbury, San Francisco, sua carreira finalmente se iniciou e logo ela gravou um disco. Três anos depois, Janis esteve no Brasil e foi expulsa do Copacabana Palace, quando nadou nua na piscina do hotel. São 11 cantos.
1.
Nossa Senhora de Copacabana,
daí-nos o Sol todos os dias,
mesmo no Inverno. Dai-nos
o seu calor sem termo,
Nossa senhora de Copacabana.
Há sombras, uma história de um piquenique, de novo a Baía de Todos os Santos, a Carlos Gomes, a Praça Castro Alves: não há dúvida, o poema continua também em Salvador. Ao fundo, toca um rock. O mais sublime prevalece:
7.
Espero
com a paciência dos desesperados
que o destino teça seus dramas
Dama
ás que Deus guardou na manga
para provar que existe e é bom.
[quando eu já duvidava]
Não existem mais mistérios
o meu aparelho é stereo e vai do jazz ao
[rock n’roll
[e ouço poesia, todo dia, no volume máximo]
Neste ponto, confesso que senti o quanto o lado da contadora Kátia está aparecendo, sobrepondo, por vezes, a lírica com gosto de mel (mas não melosa, atentar na diferença, pois Kátia jamais fez poesia água com açúcar) daquela caixa de abelhas. Quanto engano. Já no 8 e seguindo o 9, o 10 e o 11, encontro “coração aberto”, “olhos brilhantes” e amor.
O segundo poema é “High Ashbury, San Francisco”. Quando Janis se aproximou de uma comunidade hippie em Haight-Ashbury, San Francisco, sua carreira finalmente se iniciou e logo ela gravou um disco. Três anos depois, Janis esteve no Brasil e foi expulsa do Copacabana Palace, quando nadou nua na piscina do hotel. São 11 cantos.
1.
Nossa Senhora de Copacabana,
daí-nos o Sol todos os dias,
mesmo no Inverno. Dai-nos
o seu calor sem termo,
Nossa senhora de Copacabana.
Há sombras, uma história de um piquenique, de novo a Baía de Todos os Santos, a Carlos Gomes, a Praça Castro Alves: não há dúvida, o poema continua também em Salvador. Ao fundo, toca um rock. O mais sublime prevalece:
7.
Espero
com a paciência dos desesperados
que o destino teça seus dramas
Dama
ás que Deus guardou na manga
para provar que existe e é bom.
[quando eu já duvidava]
Não existem mais mistérios
o meu aparelho é stereo e vai do jazz ao
[rock n’roll
[e ouço poesia, todo dia, no volume máximo]
Neste ponto, confesso que senti o quanto o lado da contadora Kátia está aparecendo, sobrepondo, por vezes, a lírica com gosto de mel (mas não melosa, atentar na diferença, pois Kátia jamais fez poesia água com açúcar) daquela caixa de abelhas. Quanto engano. Já no 8 e seguindo o 9, o 10 e o 11, encontro “coração aberto”, “olhos brilhantes” e amor.
Em 9, a referência é clara, estamos a sós com Janis: “Só lembro dos olhos brilhantes/ da moça dentro da piscina,/ bebendo uísque numa caneca”, enquanto a outra aparece na estrofe seguinte: “Só lembro dos olhos brilhantes/ da boneca, desfilando, seminua,/ na Carlos Gomes...” Um jogo, a poeta vê, ela vê Janis em alguém. Vale apontar uma homenagem merecida para o poeta Damário Dacruz, citado no terceiro verso do canto 11.
O terceiro poema, “Pearl”, título do álbum de JJ, lançado 6 meses após sua morte. Talvez o poema que mais me encantou. São 15 cantos. O de número 14 é especialmente interessante e novamente conta, pois vemos um aeroporto, uma alfândega, uma moça e, no entanto, é poesia, pura poesia. Este o mistério de Kátia Borges, seu jeito de dizer, cada vez mais próprio.
O quarto, “Landmark Hotel”, nome do hotel em cujo quarto Janis morreu de overdose. O 11 aborda um suicídio planejado. Os poemas com os números 5 e 7 e a sensação do 14 leitura e releitura. O 15 traz de volta a poeta, ela mesma e sua memória. Enfim, do jeito de KB: reviver através da poesia.
5.
Fazendo poesia, vamos, os delicados,
sendo triturados pelas engrenagens
desta grande máquina. Alguns,
mais selvagens, farão versos com sangue,
escrevendo impropérios com a ponta das unhas.
Outros, mais tranquilos, perseverarão
no lirismo com o que lhes restar de sanidade.
Fazendo poesia, vamos, os delicados,
sendo triturados pela grande máquina
(até que Deus nos salve).
O terceiro poema, “Pearl”, título do álbum de JJ, lançado 6 meses após sua morte. Talvez o poema que mais me encantou. São 15 cantos. O de número 14 é especialmente interessante e novamente conta, pois vemos um aeroporto, uma alfândega, uma moça e, no entanto, é poesia, pura poesia. Este o mistério de Kátia Borges, seu jeito de dizer, cada vez mais próprio.
O quarto, “Landmark Hotel”, nome do hotel em cujo quarto Janis morreu de overdose. O 11 aborda um suicídio planejado. Os poemas com os números 5 e 7 e a sensação do 14 leitura e releitura. O 15 traz de volta a poeta, ela mesma e sua memória. Enfim, do jeito de KB: reviver através da poesia.
5.
Fazendo poesia, vamos, os delicados,
sendo triturados pelas engrenagens
desta grande máquina. Alguns,
mais selvagens, farão versos com sangue,
escrevendo impropérios com a ponta das unhas.
Outros, mais tranquilos, perseverarão
no lirismo com o que lhes restar de sanidade.
Fazendo poesia, vamos, os delicados,
sendo triturados pela grande máquina
(até que Deus nos salve).
7 comentários:
Oi, Gerana, obrigada. Vou replicar lá no Madame K. BJ
"Fazendo poesia, vamos, os delicados,
sendo triturados pela grande
máquina
(até que Deus nos salve)".
Isto é de uma beleza incomparável, Gerana. Para ser guardado nos arquivos, na memória, no coração.
Será que eu posso publicar lá no meu lado direito, no longitudes, entre meus preferidos, este nº 5?
Eu adoraria.
Beijos!
Ele, Kátia Borges, desde que publicou chamou a atençaõ com sua poesia madura, original, como quem conversa em versos.
leia "atenção", o til saiu errado pela pressa, não estou no meu computador.
Leia "ela, ah não sei usar o computador dos outros. Kátia, você é ótima, comprei seu livro no Rio Vermelho. Fui!
Livro lindíssimo. Sem dúvida, Kátia Borges é a melhor poeta atual da Bahia.
ainda não li!
Gerana, seu texto também é lindo.
bjo
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