sábado, 20 de setembro de 2008

DIZER

Manuel Anastácio

Para a Gerana Damulakis










Dizer liberdade e pensar num pássaro. Em voar.
Em ar.
Dizer saudade e pensar em cais.
Em água.
Em pedra. Em pouco mais.
Dizer amor e pensar em fogo.
Dizer desejo e pensar em cinza
Após a inocente inconsciência do jogo ardente e do jugo
das labaredas.

Dizer liberdade e pensar em solidão.
Num só e único pássaro.
No ar. Movimento sem destino.
Dizer liberdade e pensar ingratidão.
Pássaro abandonado a correntes sem vontade,
Algemado ao amuo do vento,
Ao arrasto, ao empuxo, ao peso,
À sustentação.

Dizer liberdade e jamais pensar em bandos
E em nuvens pontilhadas de colectivo amor.
Dizer liberdade e negar a dor
Que há na saudade, mas jamais
Nos cais de nuvem
De um beijo sem atrevimento.
Liberdade a penas.
Um ponto que flutua no esquecimento,
Certa semente da mais decantada e desasada servidão.

Dizer liberdade.
E esquecer o coração.







Manuel Anastácio assina o blog Da Condição Humana, entrada pelos meus favoritos, ou http://literaturas.blogs.sapo.pt/ Foto "Liberdade", de Web4u, retirada do Flickr.

7 comentários:

Anônimo disse...

"Dizer liberdade e pensar em pássaro. Em voar" Você precisa ser apresentado a Celeste, a personagem do meu romance Bichos de conchas. Uma mulher que pensou em Liberdade e resolveu experimentar o vôo das gaivotas. O livro vai ser lançado aqui no próximo mês, outubro.Mas já foi lançado na Bienal de SP, premiado pela União Brasileira de Escritores - UBE-SP. ESte seu verso poderia ser epígrafe do romance. Não há tempo, mas vale um abraço ao autor.

Letícia Losekann Coelho disse...

Muito bonito Gerana e bem escrito :)
Parabéns ao autor!!
beijos

Anônimo disse...

Gláucia, até me daria uma síncope se um humilde verso meu alguma vez viesse a servir de epígrafe a um livro seu. Vale o abraço que aqui chegou.

Tita, obrigado.

Gerana: palavras para quê? Espero que o presente tenha sido do seu agrado. O "Só porque..." vai crescendo em lentidão. Os dias dão para pouco.

Gerana Damulakis disse...

O presente de Manuel Anastácio foi de primeira água: versos que dizem. Todos nós aqui estamos esperando pelo livro Só porque...
Obrigada, adorei o poema.

Carlos Vilarinho disse...

Posso dizer sem medo, Gerana foi a primeira que me deu a Liberdade. Como agora aqui estou a expressar-me, junto com os grandes.
Merece muitas homenagens, sim Anastácio.
Parabéns aos dois.

Anônimo disse...

Um poeta e tanto, um poema e tanto: saber como cantar a liberdade, depois de Castro Alves (o poeta da liberdade), deve ser especialmente admirado. O Manuel conseguiu: parabéns!

Anônimo disse...

Carlos e Pereira: um só verso:

"Dizer obrigado e pensar em gratidão."