quarta-feira, 3 de setembro de 2008

CRUZAMENTO


David Nobrega



Olha moça, eu posso até contar como aconteceu, mas não vai adiantar nada.Sou apenas um traste, um dos muitos neste cidadão imenso, a tal capital, lotando cruzamentos com nossas bala, flor e carregador de celular. Ninguém dá valor prá gente - a não ser quando a gente tem garrafinha de água para vender e o trânsito pára -, quanto mais ouvidos.Naquele cruzamento deveria ter um semáfro. Eu já havia dito isso antes, mas não mando nada e ninguém presta atenção na gente.Vai aparecer em que jornal isso? Preciso lembrar de pedir pro meu moleque gravar isso pra mim. Famoso por um dia, né? Coisa de pobre. Mas sou pobre e honesto e não custa nada deixar gravado pra mostrar pros vizinho.Bom, voltando ao assunto: O caminhão desembestou lá em cima, perto daquela placa amarela que a senhora pode ver ali em cima, ó. Tá vendo, seu câmera? Não, do outro lado! Essa mesma!Pois é...ele veio correndo de um jeito que a gente, acostumado a ver acidente aqui já sabia que ia dar mer...quer dizer...ia dar pobrema. Não, não acho que tenha perdido os freio ou qualquer coisa assim, não.O carro da madama ali tava certo sabe? A preferencial é dela e quem cruzou foi o caminhão. Mas também não custava nada o motorista dar uma paradinha e espiá antes de cruzar.Não, moça. Ninguém sabe direito onde o motorista do caminhão foi parar. Assim que ele viu a mer...quer dizer...a besteira que ele aprontou, deu no pé.É, fui eu que tirei a criança do banco de trás sim. Tinha muito sangue, mas quando me enfiei no meio dos ferro deu pra ver que o sangue todo era da mãe, Deus a tenha.Os bombeiro estavam ali ó, do outro lado do rio. Até eles dar o retorno e voltar aqui, com esse trânsito todo fud...quer dizer...parado, a menininha podia ter morrido. Já pensou se pega fogo nisso tudo aí?Ah sim...eles me disse que está tudo nos conforme agora. A mãe não viveu mesmo. O motorista também não.Mas a menininha, essa eu salvei. Deus tava comigo no momento se é que a senhora me entende.Parece que o pai dela já foi lá pras Clínicas buscar ela.Recompensa? Não moça. Não quero nada não. A gente faz o que a gente pode e se não for para ajudar os outro, melhor nem viver não é mesmo?Mas bem que a senhora podia ajudar a gente e comprar umas balinha...prum sobrinho talvez?A caixa toda?!Por quê você tá chorando moça?



David Nobrega criou e escreve nos blogs coletivos, pseduo-poemas http://www.pseudo-poemas.blogspot.com/ e no Canto dos contos http://contodecanto.blogspot.com/.
Este conto está no blog http://scriptus-david.blogspot.com/. A foto que acompanha o texto foi realizada por David Nobrega.

6 comentários:

Letícia Losekann Coelho disse...

Sou sempre considerada suspeita quando faço algum elogio aos escritos do David! Mas gostei demais desse, muito bem escrito e com um tom verdadeiro!
Beijos

Anônimo disse...

Ótimo flagrante da realidade transformado em texto literário.

Gerana Damulakis disse...

Excelente criação sobre um instante. O conto foi muito bem logrado.

@David_Nobrega disse...

Agradecido, gente. Principalmente a você Gerana, que sempre tem um espacinho para mostrar quem está ainda aprendendo.

Abraços.

Anônimo disse...

Tocante, bem humano o seu conto, David. Personificou bem, na oralidade e na representação, o drama dos mais humildes. Parabéns.

Anônimo disse...

David, basta que lhe diga que a pergunta final do narrador não foi para a moça que o escutava não, foi para mim. Muito comovente, aliás como está sendo tudo na nossa sociedade decadente, que vocÊ fotografa no seu conto. Parabéns