Tanto os escritores quanto os leitores vão adquirindo certos preconceitos como, por exemplo, não admirar outros escritores da mesma idade, região ou gênero, sequer lê-los porque não se pode perder tempo lendo o que os contemporâneos escrevem quando há muito clássico para “reler”. Se o escritor estiver na mídia, aí o nariz e a boca se contorcem e estará decidido que nada haverá de bom naquelas linhas escritas por fulano, seguramente. O mesmo se passa em qualquer área, é lugar-comum, humano demasiado humano. Imaginem o que dizem os oncologistas sobre seus colegas que exercem a medicina aplicando botox nas dondocas: simplesmente, para os primeiros os demais não são médicos. Quando se sabe, na verdade, que não é bem assim, há de haver de tudo, inclusive o que é fruto de preconceito.
Vamos fazer a leitura da escritora que está na mídia: Fernanda Young e seu sétimo romance, Tudo que você não soube (Ediouro, 2007). Primeiramente, vale lembrar que ela foi roteirista das séries Os Normais e A Comédia da Vida Privada, e que tem um programa no canal fechado, GNT, chamado Irritando Fernanda Young. Enfim, uma escritora inteiramente dentro da mídia. E ela faz questão de repetir que são romances o que sabe fazer melhor.
Afastando os tais preconceitos, nem que seja para ler apenas o primeiro capítulo, logo se dará o encantamento com o texto. A narrativa é uma catarse feita por uma filha para seu pai moribundo. Por vezes o tom é pesado, pois pesadas são a rejeição e a solidão que permearam uma infância sinônima de abandono afetivo. A capa do livro traz um martelo em relevo. É com ele que a narradora agride a mãe na adolescência, mas tudo que escreve para o pai não se quer como justificativa de atos passados, o desejo é o de verbalizar a mágoa. Imediatamente vem uma lembrança: o livro Carta ao pai de Franz Kafka, embora aqui haja um fundamento existencial concreto. O interessante é que Fernanda Young procura levar o leitor em outra direção, como quando escreve; “Caso fosse uma escritora, mesmo, deixaria que você morresse, antes, para poder me esbaldar nessas velhas lembranças; talvez transformando-as em patéticos biscoitinhos amanteigados num pratinho, como fez a bicha chata do Proust”. De resto, não deixa de estar presente o humor de Fernanda.
O mais incrível é que, embora pareça haver um esforço desmedido em certos momentos para que o leitor se assuste com tanto desamor, o relato acaba passando uma sensação incontestável: seja ódio, seja amor, há um sentimento muito intenso, por isso o romance consegue que o leitor se envolva com a narradora em algum ponto. Se houvesse indiferença e superação, a história não teria logrado êxito. Para além de preconceitos, portanto, é hora de saber Tudo que você não soube.
Gerana Damulakis
6 comentários:
Oi, Gerana, concordo com você em relação ao preconceito contra autores contemporâneos, principalmente aqueles que dominam a chamada grande mídia, caso de Fernanda Young. Outro dia li um texto de Ivana Arruda Leite, no qual ela dava uma bela esnobada em Young. Então, o preconceito rola também entre os pares. Bjs
testando
testando2
testando3
Li o tal livro por duas vezes e posso dizer com uma falsa segurança: o livro é impregnado de uma tristeza fermentada pelo ódio do des-amor. Penso que a narradora é tão insegura que precisa se justificar ao longo de cento e tantas páginas para provar ao pai e a si mesma que não é apenas um monte de merda. O livro provoca intensas reflexões sobre variados assuntos e merece ser lido com atenção especial.
A.
Ler este livro justamente no Dia dos Pais é dose. E é justamente isto que estou fazendo. À sádica narradora, uma leitora masoquista.
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