segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A ANTA DE MAINARDI

Goulart Gomes
A escritora Zélia Gattai publicou, em 1979, um livro intitulado “Anarquistas Graças a Deus”. Nesse livro, ela relata os primeiros momentos da imigração italiana para o Brasil, incluindo sua própria família. Uma das maiores contribuições dos italianos para a “Merica” foi a disseminação dos ideais libertários, que influenciaram profundamente o surgimento dos nossos movimentos trabalhistas e sindicais, no final do século XIX. O título do livro, propositalmente, traz uma contradição: o anarquista é, por excelência, um agnóstico, que busca a causa e solução para os problemas sociais na terra, e não no além. Essa dicotomia me remete a outra personagem: o articulista Diogo Mainardi, um anarquista neo-liberal. Mainardi parece ter herdado, simultaneamente, o ímpeto anarquista dos seus antepassados italianos e o afã capitalista norte-americano. O propósito dessa coluna é literário, e não político. Por isso, não pretendemos entrar em discussões ideológicas sobre o seu mais recente livro publicado: “Lula é minha anta”. Nunca na história deste país um presidente foi tão exposto ao ridículo. Mas nenhum dos seus detratores tem a coragem e o talento literário de Mainardi. Ele não é uma “versão barata de Paulo Francis”. Mainardi tem um estilo próprio, que alia uma estrutura de texto que nos relembra Nelson Rodrigues, de orações curtas e frases dilacerantes, com a verve irreverente do velho Francis (falecido há exatos dez anos) e uma cultura de fazer inveja. Nas crônicas que compõem o livro, anteriormente publicadas na revista Veja, ele atinge o seu objetivo de se colocar em evidência ao escolher, estratégica e ousadamente, um alvo de grande visibilidade: o homem que dirige o país, sobre o qual estão milhões de olhos postados, diariamente. O melhor exemplo disso é a crônica “Minha vida de coiote” na qual ele compara Lula ao Papa-Léguas e ele próprio ao Coiote do desenho animado de Chuck Jones: “Lula é o Papa-Léguas. Eu sou o Coiote. Se o Coiote é Lamarck, o Papa-Léguas é Darwin. Se o Coiote é o humanista Settembrini, o Papa-Léguas é o jesuíta Naphta. Se o Coiote é Bouvard e Pécuchet, o Papa-Léguas é a tempestade que devasta sua lavoura”. Setembrinni e Naphta são personagens de Thomas Mann, em “A Montanha Mágica”; Bouvard e Pécuchet são personagens de Gustave Flaubert, no romance de mesmo nome. Mainardi é um paparazzi das letras. Polêmico, amado, odiado, processado, perseguido e aplaudido, ele vem conseguindo, do seu jeito e pagando um alto preço, inserir seu nome na galeria dos maiores cronistas políticos da imprensa escrita que o Brasil já teve. Cínico e corajoso, graças a Deus.


Goulart Gomes é ensaísta, poeta, criador da linguagem poética POETRIX. Autor, entre outros, de Minimal (Copygraf Editora, 2007)

2 comentários:

Ricardo Soares disse...

mesmo que eu não concorde sou obrigado a considerar que vc "manda" muito bem
viva a diversidade de opiniões
abs
ricardo

Goulart Gomes disse...

Muito grato pela divulgação, Gerana!