domingo, 8 de agosto de 2010

ÂNGELA E MÔNICA: DIA 24

Gerana Damulakis

A arte, toda a arte, nasce da dor, da reflexão, do sentimento, da profundidade de espírito - da largueza e da profundidade de espírito.
A compreensão da ambiguidade dos valores humanos pode gerar uma interpretação que de alguma forma consiga ser plasmada: tal forma é a arte. Ou a arte é a forma, melhor dizendo. A arte plasma os elementos essenciais da vida e, de mãos dadas com a beleza, o resultado é aberto às possibilidades de leitura.
Duas poetas entendem muito bem do assunto: Ângela Vilma e Mônica Menezes.

SENTENÇA
Ângela Vilma

O amor não nos salvará.
Não há salvação no amor.

Tu onde estás, eu onde estou,
Almas que se beijam no ar.

Apenas isso, e a doce vontade
Desesperada de amar.


MULHER
Mônica Menezes

quis para mim a graça
do sonho de ser tua
e penteei meus cabelos
e pintei minha boca
e escolhi no espelho
meu melhor olhar de mulher
mas tuas mãos não são livres
teu coração já tem dona
e eu voltei para casa
menina
trazendo a máscara na mão

O lançamento dos livros Poemas para Antonio e Estranhamentos foi transferido para o dia 24 de agosto. Vale a pena uma visita ao blog http://angelaemonica.wordpress.com/.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

SE POETA FOSSE...


Gerana Damulakis

Poesia pede poesia, que pede por mais poesia.
Tania Regina Contreiras, do blog Roxo-violeta (http://roxo-violeta.blogspot.com/), recebeu um poema de Assis Freitas, "Fantasia para tons em sépia e violeta" (o poema pode ser lido nos blogs de ambos), do blog Mil e um poemas (http://mileumpoemas.blogspot.com/). Deixei um comentário para Tania, dizendo que, se poeta fosse, também escreveria algo para ela.
Não sendo, pois, poeta, recorro a um exemplo da obra de nossa poeta baiana Myriam Fraga, sabidamente querida e apreciada por Tania e não menos querida e apreciada por mim.

ROTEIRO
--------Myriam Fraga

Decifrarei o mundo
Nestes gritos.

Sombra de luz, meu obscuro
Retorno. Viagem do nada
Ao não sei onde.

Absurdo Aqueronte
Onde um peixe navega

E este peixe é meu sonho.

De O vaso ritual in Poesia reunida (Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2008)

Foto: da esquerda para a direita, a poeta Myriam Fraga, o poeta Luís Antonio Cajazeira Ramos abraça a poeta Kátia Borges e a jornalista Suzana Varjão; seguem, do lado direito, eu e o escritor Aramis Ribeiro Costa.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O CANTOR DE TANGO



Gerana Damulakis

Quando um livro transforma seu leitor em certo personagem invisível que deu a mão ao escritor e com ele anda pelas ruas de uma cidade jamais antes conhecida; quando o leitor, agora personagem, fecha as páginas do volume e sente, ainda assim, que está vivendo naquela história; então, o romance aconteceu, a arte tomou a vida real e tudo mereceu ser lido. Eu, leitora, sinto desse modo. E o escritor Tomás Eloy Martínez (1934-2010) coloca minha mão na dele, enquanto leio seus romances.


Já fiz, aqui no blog, uma pequena resenha do romance A mão do amo (Companhia das Letras, 2008), que, na época da leitura, me levou a viver com Carmona, personagem central, entre gatos e temente ao poder de uma mãe castradora. Depois, em Purgatório (Companhia das Letras, 2009), de mãos dadas com Emilia, fugimos de Buenos Aires para procurar o amado no Rio de Janeiro, em Caracas e, por fim, fomos viver em Nova Jersey.


Neste O cantor de tango (Companhia das Letras, 2004), percorremos Buenos Aires em andanças noites adentro, conhecemos ruas e cafés; daí, anotei os nomes dos cafés e das calles e fiquei com uma vontade imensa de seguir para a Argentina.


Tomás Eloy Martínez tece seus romances com extrema maestria. O cantor de tango nos remete para a Argentina convulsionada do começo do século 21, em busca de um cantor de tango fenomenal, melhor do que Gardel, mas que nunca gravou seus tangos. Misterioso, ao buscar o cantor, buscamos a história recente, buscamos o Aleph, sentimos o pulsar da cidade e o pulsar de suas marcas, a literatura pungente, o tango fascinante.


Pensei que quando acabasse “Volver” iríamos embora, mas o Martel levou as mãos ao peito, de um modo quase teatral, inesperado vindo dele, e repetiu o primeiro verso de “Margarita Gauthier” pelo menos quatro vezes, sempre com o mesmo registro de voz. À medida que a repetição avançava, as palavras se enchiam de sentido, como se ao passar fossem recolhendo as vozes que as pronunciaram em outros tempos.
Tomás Eloy Martínez, em O cantor de tango

Ilustração: "Tango", da espetacular artista plástica argentina, Virginia Palomeque.

sábado, 31 de julho de 2010

DA FRANÇA


FIZESTE BEM EM PARTIR, ARTHUR RIMBAUD!
René Char


Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Teus dezoito anos refratários à amizade, à malevolência, à bobeira dos poetas de Paris, assim como ao zunzum de abelha estéril de tua família ardenesa um pouco doida, fizeste bem em espalhá-los aos quatro ventos, em jogá-los sob a lâmina de sua guilhotina precoce. Tiveste razão em abandonar o bulevar dos preguiçosos, os botequins dos mija-liras, pelo inferno das feras, pelo comércio dos espertos e o bom-dia dos simples.
Este impulso absurdo do corpo e da alma, esta bala de canhão que explode seu alvo, sim, é isso mesmo a vida de um homem! Não se pode, indefinidamente, saindo da infância, estrangular seu próximo. Se os vulcões mudam pouco de lugar, sua lava percorre o grande vazio do mundo levando virtudes que cantam em suas feridas.
Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Ainda há quem creia, sem provas, que contigo a felicidade é possível.


Fúria e Mistério
Tradução de Augusto Contador Borges para O nu perdido e outros poemas (Iluminuras, 1995), de René Char (1907-1988).

Ilustração: "Theatre du vaudeville", de Jean Béraud (1849-1935).

SONIA COUTINHO NA LIVRARIA LDM

Sábado, 31 de julho, na Livraria LDM, a escritora Sonia Coutinho lançará a reedição de Atire em Sofia.

GLÁUCIA LEMOS ELEITA PARA A ALB

Gláucia Lemos foi eleita, no dia 29 de julho, para ocupar a cadeira nº 14 da Academia de Letras da Bahia.
Gláucia Maria de Lemos, escritora brasileira, nascida em Salvador, Bahia, é autora de 34 títulos, entre eles a coleção “Marujo Verde”, de literatura infanto-juvenil, além de reunião de contos e romances premiados, tais como: O Riso da Raposa, pela Academia de Letras da Bahia, em 1985, A Metade da Maçã, pela Secretaria de Cultura do Recife, em 1988, As Chamas da Memória, pela União Brasileira de Escritores – Rio de Janeiro, em 1990 e Bichos de Conchas, vencedor do II Prêmio de Literatura da UBE/Scortecci, em 2007.
A sua obra publicada é, praticamente na sua totalidade, prosa, exceção feita aos dois livros de poemas.

Foto: Gláucia Lemos, a mais recente imortal da ALB, no centro. O presidente da ALB, Edivaldo M. Boaventura, e GD. Mais fotos no blog da Academia de Letras da Bahia:

domingo, 25 de julho de 2010

UMA POSSIBILIDADE ERÓTICA

Gerana Damulakis

A leitura do poema "Adormecida", do baiano Castro Alves (1847-1871), levanta uma possibilidade interessante: uma moça na rede, a janela aberta, a natureza num pedaço do horizonte. Da moça: o roupão quase aberto, o cabelo, o pé. Uma cena com possível eroticidade. O jasmineiro, de galhos encurvados, indiscretos e oscilantes, tremulamente inicia um movimento sensual. Há uma possibilidade erótica no poema romântico. As reticências são suspensões de sentido; a necessidade de suspender o sentido é, assim, mais sugestiva. De repente, a comparação com uma brincadeira de duas cândidas crianças parece diluir a possibilidade, só que, na verdade, fica claro que há uma tentativa de tornar falsa a tal possibilidade. A penúltima estrofe chega a trazer o movimento de ir e vir e pode ser lida como o ponto alto da possibilidade erótica. Enfim, os dois últimos versos criam a metáfora flor-mulher para retomar o pleno romantismo.


ADORMECIDA
Castro Alves

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço no tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face, trêmulos, beijá-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago,
Mesmo em sonhos, a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava, ora afastava-se...
Mas quando a via despertada a meio,
P'ra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! — tu és a virgem das campinas!
Virgem! — tu és a flor da minha vida!..."

Ilustração: estátua de Castro Alves, Salvador, Bahia. Foto retirada do Flickr, de E. Cesar.