Gerana Damulakis
Uma leitura puxa outra. Durante a leitura do conto “O roteirista”, de Charles D’Ambrosio, no livro O museu do peixe morto (Grua, 2010), encontrei o narrador descrevendo um certo ambiente e, numa altura, ele soltou um verso: “Luxe, calme et volupté”. Como o verso está em itálico e há uma nota no final, fui (com minha excessiva curiosidade) verificar qual era o poeta.
Resultado: a citação é o verso do famoso poema “L’Invitation au voyage”, de Charles Baudelaire. Retirei da estante o meu exemplar de As Flores do Mal (Nova Fronteira, 1985), edição bilíngue, com tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira e li o poema. Outro resultado: a postagem de agora.
O CONVITE À VIAGEM
Charles Baudelaire
Minha doce irmã,
Pensa na manhã
Em que iremos, numa viagem,
Amar a valer,
Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
Os sóis orvalhados
Desses céus nublados
Para mim guardam o encanto
Misterioso e cruel
Desse olhar infiel
Brilhando através do pranto.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Os móveis polidos,
Pelos tempos idos,
Decorariam o ambiente;
As mais raras flores
Misturando odores
A um âmbar fluido e envolvente,
Tetos inauditos,
Cristais infinitos,
Toda uma pompa oriental,
Tudo aí à alma
Falaria em calma
Seu doce idioma natal.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Vê sobre os canais
Dormir junto aos cais
Barcos de humor vagabundo;
É para atender
Teu menor prazer
Que eles vêm do fim do mundo.
— Os sangüíneos poentes
Banham as vertentes,
Os canais, toda a cidade,
E em seu ouro os tece;
O mundo adormece
Na tépida luz que o invade.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Ilustração: Girl with Sailboat, de Edmund Charles Tarbell (1862-1938).
13 comentários:
Gerana...
amei a ilustração...
e os reflexos...
Baudelaire...
sempre me encanta...
Beijos
Leca
Sempre me encantou o penúltimo verso desse poema: «Tudo é paz e rigor». Dele, creio, tentei fazer lema da minha vida, desde o Liceu. Que bom encontrá-lo aqui!
Só tu me poderias presentear desta forma, espécie de reencontro depois de um sábado inteiro - 9 às 18h - de formação sobre quadros interactivos...
Tempos difíceis.
Beijão
Gerana, Gerana, Gerana...
Puro encantamento!
Luxo, calma e voluptuosidade...
O grande poeta não escolheria estas três palavras em vão; não as escolheria se não fosse para compor esta maravilha.
Grata pela especial oportunidade de excelente de leitura!
Um abraço, amiga!
É a Pasárgada de Baudelaire.
Abraço.
resultado excelente para nós, os seus leitores! nosso conhecimento recebe grata nutrição por causa de sua diferencial curiosidade de pesquisadora! :)
o poema é belo demais!
a ilustração de edmund charles tarbell é excepcional.
um beijo bem grande para você, querida.
Um dos poemas fundamentais da história da literatura, puro encantamento
abraço
Ah, eu gostei muito!!!
Gerana,
Se juntasse o episódio com o poema e os comentários daria um conto de Borges.
Abraço e bom domingo.
JR.
cenário das viagens
terras do sossego.
Lindo poema!
Beijos.
Jefferson.
Isso é lindo....teve um filme tbm, chocante...tenho ainda as fotos comigo. Filme louco de Peter del Monte.
Quando vc vier, te mostro!
Só por curiosidade dê licença para mostrar outra tradução de O CONVITE À VIAGEM, de Pietro Nasseti, que tb acho mto bonita: "Irmã e criança/q doçura mansa/ali viver afinal/de sonho e lazer,/amar e morrer,/num país q é teu igual/Os sois molhados/destes céus nublados,/à minha alma têm o encanto/que é o mais singular/do pérfido olhar/brilhando através de teu pranto.//Lá tudo é belo e se ordena/luxo e volúpia serena."
Gerana: Transcrevi somente a primeira estrofe porq o poema é longo, claro. Só porque já tendo lido o poema me lembrei desta outra tradução, não conhecia a de Ivan Junqueira q vc postou, tão bonita qto a do Pietro Nasseti.
'Sóis orvalhados', que imagem fascinante. Gosto desse estilo de poesia, o tema recorrente (e por isso eterno) da recomposição de um tempo perdido. Grande abraço.
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