quinta-feira, 8 de abril de 2010

A MARCA HUMANA


Gerana Damulakis

O cinema não me seduz. Sou uma pessoa limitada e assumida. Minha paixão é a literatura e admiro as artes plásticas com certo fervor. Mas, hoje, revi um filme que havia assistido em 2003: Revelações, com Nicole Kidman e Anthony Hopkins, adaptado do romance A marca humana (The Human Stain), do grande escritor norte-americano Philip Roth. Geralmente é assim, se o filme me pega é porque vem da literatura. No filme, Nicole Kidman interpreta Faunia Farley. Quando ela conta para Coleman Silk (Anthony Hopkins) os tantos empregos nos quais trabalha, faz uma parada e finaliza com a frase: "Action is the enemy of thought". A frase grudou em mim: "A ação é inimiga do pensamento". A personagem não se permitia pensar, trabalhava incessantemente, precisava da ação para impedir que os pensamentos chegassem.

A marca humana faz parte da trilogia de Philip Roth, iniciada por Pastoral Americana e Casei com um comunista (ambos publicados também pela Companhia das Letras).

Nós deixamos um marca, uma trilha, um vestígio. Impureza, crueldade, maus-tratos, erros, excrementos, esperma - não tem jeito de não deixar. Não é uma questão de desobediência. Não tem nada a ver com graça nem salvação nem redenção. Está em todo mundo. Por dentro. Inerente. Definidora. A que está lá antes do seu sinal. Mesmo sem nenhum sinal ela está lá. A marca é tão intrínseca que não precisa de sinal. A marca que precede a desobediência, que abrange a desobediência e confunde qualquer explicação e qualquer entendimento. Por isso toda essa purificação é uma piada. E uma piada grotesca ainda por cima. A fantasia da pureza é um horror. É uma loucura. Porque essa busca da purificação não passa de mais impureza.


Philip Roth
in A marca humana (Companhia das Letras, tradução de Paulo Henriques Britto, 2002).

15 comentários:

A Itinerante - Neiva disse...

Gerana,

Estes (livro e este filme) gostaria de apreciar, certamente.

Impactante o parágrafo que postou. Imagino o restante.

Beijos

Pena disse...

Lindíssima Amiga Escritora:
"...Geralmente é assim, se o filme me pega é porque vem da literatura. No filme, Nicole Kidman interpreta Faunia Farley. Quando ela conta para Coleman Silk (Anthony Hopkins) os tantos empregos nos quais trabalha, faz uma parada e finaliza com a frase: "Action is the enemy of thought". A frase grudou em mim: "A ação é inimiga do pensamento". A personagem não se permitia pensar, trabalhava incessantemente, precisava da ação para impedir que os pensamentos chegassem..."

Significativo. Profundo. Admirável.
Já registei:"A acção é inimiga do pensamento".
Real. Inequívoco.
Possui uma sensibilidade repleta de ternura, encanto, pureza e beleza.
Parabéns inceros.
Bem-Haja, pela ternura deixada no meu cantinho.
Adorei.
Beijinhos amigos de respeito, estima e consideração pelo que é e pela preciosidade rica e intensa do seu ser fabuloso.
Com admiração constante.

pena

MUITO OBRIGADO, doce amiga.
Bem-Haja, pela sua expressão doce e extraordinária do seu magistral sentir.
É Perfeita!
Gostei muito.

aeronauta disse...

Assisti a este filme, gostei muito, e fiquei curiosa com o livro. O bom é saber que o cinema está sempre bebendo suas melhores fontes na literatura.

Unknown disse...

Não assisti ao filme e não li o livro, vou acrescentar mais um na minha lista das ignorãça, como diria Manoel de Barros.

P.s. Um americano que gosto e também tem trabalhos adaptados para cinema, e às vezes escreve roteiros, é Paul Auster. Abraço.

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

"O cinema não me seduz. Sou uma pessoa limitada e assumida. Minha paixão é a literatura"
por do cinema gostar do roteiro, meu amigos apaixonados sempre dizem que me falta delicadeza em não perceber outras coisas além da palavra, mandei link do teu blog com esta postagem, tá aí o qeu quis sempre dizer para eles

Lisarda disse...

Philip Roth hace años que debería haber ganado el Premio Nobel por disociar al escritor-"Zuckerman"- de una imagen ascética y puritana.Está en una línea confesional parecida a la de Henry Miller, pero con mayor sarcasmo. Adoro su ironía y su falta de piedad.
Agora quero ler Humiliation, que ja está em espanhol.
Há uma sociedade ou clube Philip Roth, onde discutem seus livros; vc conhece? Vale a pena!

Wilson Torres Nanini disse...

Se você gostou de Revelações, poderá apreciar Desejo e Reparação do diretor Joe Wright, baseado no livro Reparação do escritor britânico Ian McEwan, que auxiliou o roterista a manter aceso o lume essencial do livro. Gosto muito de suas críticas.

Abraços!

Ana Tapadas disse...

Querida Gerana, ainda bem que o assumes. Também não sou cinéfila. Aos filmes, mesmo quando saídos de livros, prefiro os livros. Pelo parágrafo, parece maravilhoso.
Jorge de Lima tem esse quê dos parnasianos: escreve maravilhosamente...sem alma dentro. Percebo-te. Postei porque sei da ligação dele ao Rio.
Beijinhos

Anônimo disse...

Pessoa limitada e assumida? Pô Gerana, assim você me diminui ainda mais! rs
Quanto à frase, o contrário me assusta mais.
Ah, e eu continuo acreditando na purificação como algo plausível e necessário.
Bj

Jefferson Bessa disse...

Sim: a ação excessiva e pragmática embaça
qualquer pensamento,
qualquer sensação,
qualquer vida.
muito boa a frase selecionada, Gerana.
beijos

Jefferson

Edu O. disse...

Gerana,obrigado pela vibração para o sucesso de Odete. Eu ficarei muito feliz se um dia tiver você assistindo. bjs

José Carlos Brandão disse...

Cinema e literatura andam de mãos dadas. Cinema é mais ação e, como diz a personagem FF, impede de pensar. Ou não leva tanto ao pensamento, como a literatura, que é pensamento puro. Quanto mais puro, mais literatura, e mais poesia acho que estudei isso em Croce).
A Marca Humana, estou me devendo conhecê-la. A amostra é forte demais.
Beijos.

Unknown disse...

Gerana, sabe que vi este filme, pq adoro cinema, nem sabia na época(depois o soube) que era do Philip Roth, que gosto, mas só leio quando estou MUITO bem, caso contrário ele me derruba.

Mas enfim, essa frase me pegou fundo, que legal, a mesma que para vc. Havia até esquecido, mas vc me trouxe essa coisa de novo. Realmente, tem um tipo de ação, feita de encomenda pra quem não quer pensar. Pq a consciência gasta a vida..... que aliás está ái pra isso mesmo.

O último que li foi Homem Comum. Forte...como todos.

Unknown disse...

Mas olha só.... ele tem essa mania de nos derrubar, citando estados e ocasiões, onde nossa humanidade perde pra sociedade.

às vezes acho jogo sujo....

Nilson disse...

Magistral!!! Preciso ler o livro - e ver o filme!