sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O POEMA SEGUNDO OS POETAS



Gerana Damulakis

O metapoema me fascinou muito no passado, principalmente pelo uso de metáforas para discorrer sobre o fazer poético. Foi com a poesia de João Cabral de Melo Neto que comecei a atentar para os metapoemas dos outros autores.
Já escrevi aqui, em várias oportunidades (sou recorrente), sobre a lição encerrada no poema “Art Poétique”, de Paul Verlaine, com o deslumbrante verso (ele próprio bastante musical): “De La musique avant toute chose”, cuja tradução de Augusto de Campos é: “Antes de tudo, a música”. É um poema que ensina e é um poema que encanta. Sua última estrofe diz:


Que teu verso seja a aventura
Esparsa ao árdego ar da manhã
Que enchem de aroma o timo e a hortelã...
E todo o resto é literatura.

A razão de uma introdução que se iniciou com Cabral e foi para Verlaine era, na verdade, ficar centrada no fazer poético. Drummond tem um poema que enumera todos os temas com os quais não se deve fazer poesia e, ironicamente, o próprio poeta utilizou tais temas e fez poesia; não, ele fez grande poesia. Entre tantos poemas sobre poemas, sobre versos, há um outro, também de Carlos Drummond de Andrade, que não me deixa neste momento; trata-se de “Poesia”:

Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

Cheguei ao ponto. De Drummond para Leminski, ambos os poetas fizeram uma legião de seguidores, estas linhas vão para Ignacio Vázquez, do blog Lisarda Baila Cumbia (http://lisarda.blogspot.com/), a quem prometi uma postagem com poema de Paulo Leminski:

-----um bom poema
leva anos
-----cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
-----seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
-----sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
-----três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
-----uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

in La vie en close (Brasiliense, 1992).

23 comentários:

BAR DO BARDO disse...

a meta?

poesia!

Bípede Falante disse...

Leminski é mesmo formidável. Eu gosto muito do Apagar-me. Nada descreve tão intensamente a minha visão de fim.

Unknown disse...

Que charme, como vc alinhava bem as tuas palavras, nos levando às suas paragens, incapazes de pensar em algo, impelidos docemente pela tua dissertação.

Ana Tapadas disse...

Também aprecio Leminski, muito.
Lá irei...
Tem um excelente Carnaval com os teus.
Depois volto.
Beijinho e sempre grata pelos teus posts óptimos e interessantes e pela enorme atenção que me dás.

Valéria Martins disse...

Lindo!

Tenho um cliente escritor que é o biógrafo do Leminsky: o jornalista curitibano Toninho Vaz, que mora no Rio de Janeiro. Ele escreveu "O bandido que sabia latim", publicado pela Record. Veja o blog do Toninho: http://toninhovaz.blogspot.com/

Beijos!

dade amorim disse...

Leminski é querido de todo poeta e fã de poesia por aqui. Meu também. A poesia dele tem um frescor, uma novidade que nunca se apaga - "alguma coisa brilha no fio esgarçado", como diz Vila-Matas em Montano.

Caio Rudá de Oliveira disse...

Longe de mim me comparar a poetas desse nível, mas também escrevo muito sobre o que, por que e como escrevo.

Drummond é sensacional e Leminski, fascinante. Curioso é que, numa entrevista que dei ao José Inácio, são os únicos cuja idolatria assumi :D

Unknown disse...

Metapoesia, metalinguagem, metapoema. É tanta meta a ser atingida que o objetivo vira círculo. Lembrando Barthes, a literatura vive de consumir-se, autofagia. Abraço.

Adriana Riess Karnal disse...

Gerana,
que lindo texto...vc cita os maiores mestres, ah, que sonho...

nydia bonetti disse...

Os poetas adoram falar de poesia, e alguns o fazem com maestria.

beijo!

Pena disse...

Linda Poetiza Amiga:
Perfeito Post de entendimento da poesia que se faz com sentimento e sensibilidade profunda.
Tem razão, demora a concebe-lo com brilhantismo.
Sou um sonhador, não um poeta.
OBRIGADO pela sua preciosa amizade sincera que é recíproca.
Sempre a respeitar o que diz e escreve, sublimemente.
Beijinhos amigos.

pena

Excelente!
Adorei.

A Itinerante - Neiva disse...

Gerana,

Lembrei da Filosofia da Composição, o texto que Edgar Allan Poe escreveu explicando o processo de criação de O Corvo, sua mais perfeita poesia e que me deixou surpresa na época, quando imaginava que era tudo fruto da inspiração. rsrs

Beijos

Marcus Vinícius Rodrigues disse...

Faltou transcrever o poema do Cabral. Seria o Catar feijão?

Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
de depois, joga-se fora o que boiar.

Gosto muito dessa arte poética.

Ignacio disse...

Obrigadísismo, Gerana! Leer a Leminski es asomarnos a una contemplación especial: la vida vuelve desde los livros, e a vida torna-se leitura.
Agora estoy con ese matavilhoso livro de Toninho Vaz, um sutil pesquisador.
Beijabraços.

Gregorio Omar Vainberg disse...

Lindo, descobrir uma bahiana andando pelos blogs da espanha,
Pois que tenho visitado muitos blogs e acho que é o primeiro bahiano que encontro.

Um abraço desde o outro lado do aeroporto

Janaina Amado disse...

Para escrever um post assim, Gerana, que passeia com tanta tranquilidade por autores tão diversos, também leva anos. Não me lembrava desse poema de Leminski, não sei se o conhecia. Amei-o, até o copiei para mim.

aeronauta disse...

Esse poema de Drummond é um sussurro, um segredo, uma revelação.

João Renato disse...

Olá, Gerana,

Gosto muito desse poema do Drummond. Essa coisa do sentimento da poesia que vive dentro da pessoa sem sair, que acontece com quem é poeta e quem não é, também me intriga.
Um poeta polones que eu descobri na rede - Tadeus Ròzewics -, escreveu assim:

"a poesia nem sempre
adota a forma
de um poema

depois de cinquenta anos
a escrever
a poesia
pode apresentar-se
ao poeta
na forma de uma árvore
de um pássaro
que voa
de luz

adota a forma
de uma boca
refugia-se no silêncio

ou vive no poeta
livre de forma e de conteúdo".

Abraço
JR.


Tradução de Jorge Sousa Braga

Jefferson Bessa disse...

quando o poema se torna a poesia.

é como o pensamento de si mesmo

espelhos...muitos espelhos ;-)

Um prazer conhecer seu blog.

Abraço.

Jefferson.

Jamile Gonçalves disse...

Leminski é o mestre!
Olha, li um poema seu e me encantei...
Vou colocar na descrição do meu blog, com a devida identificação, ok?
"sempre pinto
o que escravizo
dentro de mim.
Agrade, ou não."
[Gerana Damulakis]

Lisarda disse...

Obrigado, Gerana por a postagem dedicada!O bicho alfabeto passa, e fica o que Leminski escreve...

glaucia lemos disse...

No entanto, às vezes uma boa poesia brota límpida e espontâna como água de nascente. É raro, mas essa é prontamente reconhecível pelo leitor sensível.
Já o poema que fica dentro do poeta forçando, oprimindo, sem encontrar a primeira palavra, esta, Drumond tinha razão, esta enlouquece.

Fernando Campanella disse...

Sintéticos, elucidativos, muito interessantes teus artigos, Gerana. Vir aqui é encher a alma de boa literatura. Grande abraço, bom final de carnaval.